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filmes & séries

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The enchanted mill (1913)
Franz Marc
130x90cm
Art Institute of Chicago

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Mais séries e filmes em "quarentena"!!!!!

 

 

 

 

 

DEADWIND

Série escandinava muito próxima a Bordertown. Uma dupla de investigadores, com suas diversas problemáticas pessoais que, inicialmente, são divergentes e, pouco a pouco, vão se aproximando. São duas temporadas disponíveis. Em cada uma, há a resolução de um crime. A premissa dos crimes estarem interligados a uma rede criminosa imiscuída no poder local, presente na série Bordertown também está aqui. Roteiro bem estruturado e excelente para conhecermos um pouco dos costumes de um povo que quase não temos notícia.

 

 

COISA MAIS LINDA

A série brasileira que se passa na década de 60 e retrata um grupo de mulheres, com o surgimento da bossa nova como pano de fundo, chegou a segunda temporada, bem mais superficial e arrastada que a primeira. As nuances das personagens e seus contextos, com menos matizes, tornam essa segunda temporada fraca não só no roteiro como nas atuações, até porque a personagem Lígia, cuja atuação era a melhor da série, não está nessa fase da trama. Enquanto a primeira temporada focou em questões mais pessoais (alcoolismo e violência doméstica, questões de gênero e matrimônio), esta segunda é mais social (o lugar da mulher no mercado de trabalho, o racismo). Na primeira o romance como cenário; na segunda, um processo judicial.

 

 

WARRIOR NUN

Lembrando um pouco as tramas de Dan Brown, essa série surpreendeu. A premissa é interessante: a garota, morta e antes paralítica, graças a inserção inesperada de um halo em suas costas, por um grupo de freiras, revive, totalmente saudável. Não só: tem poder de auto cura. Ótimo, mas fica sabendo que, com isso, faz parte de uma organização de freiras guerreiras que combate demônios na Terra. Há na trama reviravoltas bem interessantes. A corrupção na igreja e a postura anti ética na ciência estão no centro dos acontecimentos, aliando questões transcendentais e imanentes. O final, pronto para uma próxima temporada, surpreende ainda mais.

 

 

OS INFIÉIS

Filme italiano despretencioso. Uma comédia leve e bem equilibrada. De início parece sexista e machista, impressão que logo se desfaz, mostrando que, ao menos contemporaneamente após a revolução sexual e suas consequências posteriores, mulheres também traem e os gêneros se igualaram na infidelidade. São pequenas esquetes, à semelhança do destacado filme argentino "Relatos Selvagens". Bem humorado, rápido e dinâmico: muito bom!.

 

 

EXPRESSO DO AMANHÃ

Adaptação de obra literária, embora com episódios longos, a série é ágil e equilibra bem o suspense, o drama, o policial, até o romance, trazendo questionamentos políticos e sociais. A premissa é a mesma do filme homônimo (o mundo congelou e há um trem com 1001 vagões, cujos tripulantes são os únicos sobreviventes do planeta). Mas o enredo é quase na totalidade diferente. O filme é ainda mais perverso, mas a série não deixa de refletir sobre poder e classe social, trabalho e ócio, e muito mais. O último episódio surpreende, com a tradicional "deixa" para uma próxima temporada.

 

 

THE OLD GUARD

Filme bem realizado, roteiro bem construído, boas atuações. A premissa é interessante: há um grupo de pessoas, apenas quatro, que, aparentemente, é imortal (depois se verá que têm auto poder de regeneração, posto que, em algum momento morrem). Sua missão é combater e proteger. Quando um outro imortal surge, todos os demais o sentem. Mas a indústria bio-tecnológica tem interesse nessas pessoas. E a trama se desenrola num timing eficiente. Ação na medida certa, sem excessos e com emoções.

 

 

DESEJO SOMBRIO

Trama policial, com algo de drama, algo de suspense e, na onda do filme 365, algo de erótico (dadas as inúmeras cenas de sexo e alto teor de nudez). Muitos episódios, a semelhança da série EL CLUB (também mexicana, com o mesmo ator protagonista), longos, arrastados. Os mexicanos, grandes produtores de telenovelas, gostam de uma "enrolação", c amadas que vão se sobrepondo, nós que demoram a desatar. Como em EL CLUB, a série poderia ser reduzida a metade, mas a trama também perderia seu bojo, entende-se esse caso.

 

 

DOZE JURADOS

Série belga excelente. Duração equilibrada, personagens e roteiro bem construídos. E, o mais interessante, tratando-se de uma série criminal (parecida com a época de ouro de LAW & ORDER, que congregava os sistemas de polícia e justiça, com psicologia forense, medicina legal e perícias diversas), é que o espectador, enredado com as inúmeras mentiras das testemunhas e da ré, e as vidas conturbadas dos jurados (que estão longe da isenção necessária), sem acesso a verdade dos fatos, permanece com dúvidas ao fim. Vale muito a pena conferir!

 

 

ESTADO ZERO

A série é baseada em fatos reais, acontecidos na Austrália, e denuncia absurdos que são realizados com refugiados que chegam ao país. Embora sobre acontecimentos específicos, é simbólica da situação global atual, em que pessoas são números, campos de concentração continuam a existir, burocratas pouco ou nada se importando com os seres, países acuados, rede de tráfico ganhando com o imbróglio. Em outras frentes, seitas religiosas usurpando de vulneráveis e encobrindo perversões. Um retrato duro e cortante.

 

 

DARK

Aclamada e primeira série alemã produzida pela NETFLIX. Comparativamente, uma das melhores. Mas, nem por isso, excepcional. As idas e vindas temporais (próprias a trama, cuja viagem no tempo é a premissa) tornam a série um emaranhado de nomes, idades, versões de um mesmo sujeito, relações familiares, mundos paralelos. Os inúmeros vídeos no YOUTUBE que pretendem explicá-los revela que muitos espectadores ficam confusos. Aos mais atentos (cada cena é imprescindível, e isso é um fato positivo), a terceira temporada ( que se pretende "elucidativa") parece arrastada e quase desnecessária, com exceção de seu último episódio. Mistura reatores nucleares, o controle do tempo, sociedades e dramas familiares, épocas distintas e suas singularidades e esquemas nem sempre fiéis ao que se propõem. Ainda assim, excelente!.

 

 

 

GUILHERME REOLON DE OLIVEIRA

MTb 15.241

 

VERA MARTA REOLON

MTb 16.069

 

 

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Sobre as SUBURRAS de todos nós!!!!

 

 

 

 

Nasci em uma cidade que "endeusa" médicos" (os doutores) e padres. Isso quer dizer que se os "dotô" dizem para se atirar do precipício, os "seguidores" se atiram. Assim também tudo que os "padres" dizem - esses são os "dotô" da igreja. Com isso quero dizer que os "dotô" (todos) podem dizer qualquer coisa que o que dizem, mesmo sendo absurdo e os sujeitos "dotô" serem "podres", tudo é verdade e sabedoria.


Vejam, com isso não quero dizer que não existam doutores de ambas instituições que são bons, muito bons, corretos. Digo que, mesmo não o sendo, o povo, a sociedade os torna "deuses".


Mas, o que é o famoso DOUTOR?


Doutor, para as academias (as de Platão), não as academias de ginástica e afins, é alguém que, após uma graduação (um curso de, em torno de cinco anos), realizam um mestrado (mais dois anos de estudo, 24 créditos de disciplinas e um escrito submetido, a que se chama dissertação). Aí, inscrevem-se a uma seleção ( inscrição cobrada -bastante- mesmo em federais, prova escrita, prova oral, projeto aceito, orientador que aceite o projeto e o aluno e, outras coisas, lícitas ou não, a que o sujeito se submete em lugares nem sempre sérios) para realizar um doutorado (mais quatro anos de estudo, defesa de tese inédita - escrito com ideias e sua defesa - inéditos no mundo) e 36 créditos de disciplinas cursadas (com artigos entregues e avaliados), proficiência em língua estrangeira (duas - uma neo-latina e uma neo-germânica). Esse, e somente esse, é DOUTOR!


Claro, nem sempre é um doutor tão original, mas passou pelos processos.


Mas, a quê vem tudo isso?


Vem que, voltando ao princípio, para as populações que endeusam os "dotô", indico com elegância (educando, para não perder o hábito) a série e o filme SUBURRA, da Netflix (ou onde os acharem). Principalmente a série. Nela vemos a corrupção envolvida em todas as instituições em uma Roma tomada. Para obter um terre no da igreja e de traficantes instalados na orla (Ostia). Terras desejadas para construir cassinos (olha os nossos Resorts Integrados aqui!!!!) e lavar dinheiro da máfia, esta faz negociatas, mata, invade vidas, guerras entre traficantes, a máfia, a igreja, os políticos, os ciganos,....,todos,...até mesmo uma aristocracia empobrecida e vivendo, pasme-se!, de verbas de ONG's, brechós,e..., para não perder a atualidade, até mesmo os imigrantes africanos. E olha, que a corrupção invade os altos escalões da igreja, inclusive usando os deslocamentos obrigatórios dos imigrantes para obter títulos nobliarquicos dentro da igreja.


Que escola de corrupção e de aprendizado para todos, com o fim de aprender a ler mais nas entrelinhas de um universo tomado apenas pelo desejo do PODER.


E a ÉTICA. hem????....teórica E prática!!!!!!.
 

 

VERA MARTA REOLON

MTb 16.069

 

terça-feira, 19 de maio de 2020

QUARENTENA NA/DA NETFLIX

 

 

Abaixo avaliamos algumas das últimas séries da Netflix que assistimos neste período de quarentena. Ficaram de fora muitas. Nem mencionamos aquelas que não gostamos, aquelas que consideramos plágios (escancarados demais) de clássicos, aquelas que se arrastam.... Indicamos, no entanto: Grace & Frankie, Suits, How to get away with murder, Elite, Baby, Mindhunter. Em época de pandemia, com a imposição de ficar em casa, resta maratoná-las.

 

 

CASA DE PAPEL

Lançada sua quarta temporada, imediatamente ficou em primeiro lugar no Top 10, seguida pelo documentário que reflete sobre a própria série (precisa ganhar mais um dinheirinho!!). Fenômeno global, é a mais vista internacionalmente. Sucesso, sem dúvida, porque consegue aliar um roteiro bem estruturado e contagiante, que mescla gêneros cinematográficos de maneira singular, com boas atuações e personagens com perfis ao mesmo tempo ambíguos e bem delimitados. Músicas marcantes, excelentes locações, e uma história atual complementam. A quarta temporada, no entanto, deixou a desejar. Não que seja ruim, malfeita ou coisa parecida, muito pelo contrário. Acontece que cumpriu apenas uma continuação à temporada anterior - que havia terminado sem qualquer resolução de enredo. E continuou sem a terminar de fato. E aí vem aquela mistura de ansiedade (pela conclusão) e raiva (por ter de esperar por uma eternidade pela continuação).

 

 

TOY BOY

História interessante, porém muito arrastada: capítulos extensos, com mais de uma hora, que reduzidos para trinta ou quarenta minutos, ou compactados em menos episódios, ou ainda em um filme de duas horas, estariam melhor estruturados. O título, que remete ao protagonista, um stripper ,dá o gancho para o grupo que o acompanha e coreografias novas a cada episódio. O strip, no entanto, fica deslocado do enredo, cuja premissa pode soar interessante, mas lembra muito o excelente filme Risco Duplo. Idas e vindas da história a tornam cansativa e um desserviço para o bom andamento que até poderia ser bom (redundante assim mesmo!).

 

 

A CASA DAS FLORES

A série mexicana é exemplo de excelência. Seguindo o estilo que caracteriza as produções do país, cujo dramalhão, excentricidades, gestos e discursos que beiram o excesso são marcantes. Casa das Flores apresenta o melhor da comédia (o inusitado, os cacoetes de linguagem e ação) com toques de drama, humor ácido e a ironia, numa refinada crítica às hipocrisias sociais, retratada nas mentiras e nos enganos familiares. Ainda que a terceira temporada tenha decaído no ritmo narrativo e na continuidade (recorrendo a flashes do passado - o que é comum nas últimas produções - elaboradas a toque de caixa) é uma das melhores séries realizadas pela Netflix. Capítulos curtos e roteiro ágil contribuem para a excelência. Na história, padrões que são rompidos a cada cena , e a atuação imperdível da protagonista Paulina de La Mora, tornam Casa das Flores uma ótima pedida.

 


BORDERTOWN

Um dos diversos méritos da Netflix é propiciar o contacto com as diferentes culturas, apresentando o que há de melhor na globalização. Com o videocassete e o DVD, o acesso às produções estrangeiras era restrito, quando muito, às francesas e italianas, soterradas pelas norte-americanas. Com a Netflix a diversidade veio a tona. Exemplos são as produções escandinavas, que nunca chegavam por aqui. Pois veio Bordertown, série muito boa, policial, investigativa. O protagonista lembra Sherlock, com toques de excentricidade, técnicas próprias de observação. Há uma crítica à politicagem das pequenas cidades, com seus segredos, sua corrupção. Uma ótima oportunidade, inclusive, para conhecer a paisagem escandinava, seus costumes, comportamentos, cultura. AH.......e a neve....branquinha!!!!!

 


IL PROCESSO

A série italiana, relativamente curta, é rápida na narrativa, nada cansativa, ainda que se passe quase exclusivamente em um tribunal. A premissa é simples: uma garota é morta em local elitizado, com pouca circulação. Rapidamente descobre-se que é garota de programa, filha da promotora de justiça e estava grávida de seu agenciador. Este, membro de família poderosa da localidade. Os fatos vão se desenrolando aos poucos, porém com agilidade. Há uma reviravolta surpreendente no final, excelente!.

 


NOITE A DENTRO

Quase uma ficção científica, o enredo da série belga parte de uma premissa estranha e praticamente inverosímel (ou talvez não! - principalmente se levarmos em conta os descrentes dos processos de retirada da camada de ozônio e aquecimento global da Terra): o sol está matando. Ainda assim, o fluxo narrativo é rápido, os poucos episódios são também curtos, a narrativa cativa. O espectador, assim como os personagens, que se mostravam descrentes no início, vai sendo convencido pelos acontecimentos. O espaço em que se passa a história, um avião, e o número reduzido de personagens, com perfis delimitados, que permitem diferentes identificações contribuem para manter a atenção - e a angústia - do espectador. Suspense bem estruturado, termina com uma deixa prontinha para segunda temporada.

 


MULHERES DA NOITE

Um grupo criminoso com diferentes frentes de atuação - prostituição, narcotráfico, etc... - todos usados para lavagem de dinheiro obtido ilicitamente - é o pano de fundo. Dramas familiares não resolvidos, uma protagonista que se enreda terrivelmente na corrupção, enquanto o marido busca, politicamente limpar a "sujeira" e a contravenção na cidade, descobrindo que a mãe, considerada morta pelos males que lhe causou, é a grande chefe do crime. Um thriler psicológico bem estruturado que evidencia as artimanhas entre os dramas internos dos personagens e o contexto que os cercam: subjetividades traumatizadas que facilmente se estilhaçam diante de uma sociedade pronta para arrasá-las ainda mais.

 


HOLLYWOOD

Do mesmo criador de Glee, Versace e The Politician, é marcada pela mescla de ficção e realidade, uma vez que se passa em uma efervescente Hollywood pós guerras em que surge o galã Rock Hudson. O glamour cinematográfico produtor de sonhos é o mote, assim como o desejo de ser ator, de preferência protagonista. Bem como a série mostra o que muitos do #MeToo tentaram esconder do início de suas carreiras, delegando apenas a produtores e diretores o que muitos atores ávidos pela fama sempre fizeram. Até conseguir alcançar seu objetivo, uma série de artimanhas, percalços, caminhos tortuosos (e nem sempre moralmente "dignos"). A série é leve, com o colorido característico do roteirista, e o toque de humor ácido aliado a um drama construído também de forma leve. Destaque também para a harmônica mescla de atores jovens e veteranos. E para a idealidade - que sequer acontece hoje, muito menos nos anos 1950 - da valorização de todos os espectros sociais, inclusive minorias.

 


TRÊS METROS ACIMA DO CÉU

Roteiro, locações e atuações muito parecidos com a novela adolescente Malhação e os tradicionais filmes juvenis de praia (lembrando até mesmo os de Elvis). Com narrativa previsível, decepciona um pouco. Ainda assim, vale pela belíssima paisagem (um pequeno paraíso da italiana Ravena), pelos diálogos mais introspectivos e pela trilha sonora (que intercala clássicos italianos, músicas mais contemporâneas e um jazz revisitado - este belíssimo e muito bem tocado!). Estes fatores já são suficientes para maratonar essa série leve e ágil.

 


DISQUE AMIGA PARA MATAR

Dificilmente uma segunda temporada mantém o ritmo inicial, ainda mais quando se fala de uma comédia dramática. Disque Amiga... é rápida na narrativa e apresenta uma dupla de atrizes impecáveis na atuação (e que conseguem fazer "liga"). Todos os episódios - curtos - são surpreendentes e prendem a atenção do espectador que ansia em saber o que virá. A premissa é interessante, as narrativas paralelas complementam e ajudam a sustentar a principal. O gostinho de "quero mais" para próxima temporada, não ofuscou o fechamento da que encerrou, o que raramente acontece.

 

 

VALERIA
A série espanhola parece um revisitado de Sex and the City, transformando todas as amigas em uma estereotipia da personagem Samantha, da série norte-americana. Há muito sexo, poucas reflexões sobre relacionamento (também aqui plágio de Cinquenta Tons), que só acontecem, tangenciadas, nos últimos episódios. Ainda assim, a série prende o espectador, que torce pelo encontro da protagonista com Vitor. A "deixa" para uma segunda temporada fechou o último episódio com caminhos abertos para todas as personagens. Interessante a reflexão nas entrelinhas, sobre o mercado de trabalho para artistas, especialmente escritores: seguir seu sonho ou procurar um emprego que o sustente.

 


DEZOITO PRESENTES

Belíssimo este filme italiano, emocionante mesmo. O enredo surpreende e estabelece o clímax no momento ideal (a Netflix poderia aprender com isso e, ao invés de fazer séries intermináveis e alongadas para manter público, preparar um filme melhor trabalhado e, quiçá, mais barato!). Premissa interessante, boas atuações e roteiro bem estruturado contribuem para a construção de uma narrativa dramática e emotiva. O equilíbrio do enredo acontece com toques de humor, assim como a rebeldia adolescente, balanceada no desenrolar da história - que fica na surpresa para quem quiser ver.

 


MERLÍ

Excelente esta série catalã, que retrata um singular professor de filosofia, seus alunos, suas relações, problemáticas pessoais e familiares, seu contexto escolar. Os episódios até poderiam ser mais curtos, mas a narrativa é rápida, leve e contagiante (a terceira temporada perde um pouco este caráter, indo da comédia ao drama). Roteiro que aborda diferentes questões dos estudantes do ensino médio e do sistema educacional: sexualidade, gênero, socialização, sofrimento psíquico, amizade, bullying, drogadição, amadurecimento, relacionamentos. Até mesmo metodologia de ensino. Em época de desvalorização da filosofia e das humanidades em geral, a série é um alento à educação.

 

 

 

GUILHERME REOLON DE OLIVEIRA

MTb 15.241

 

VERA MARTA REOLON

MTb 16.069

 

domingo, 3 de maio de 2020

DAS BASES NASCE O FUNDAMENTO

 

 

Assistir ao clássico "A Dama Oculta" é uma aula dos fundamentos (e rudimentos) cinematográficos de Hitchcock. O estilo do diretor - considerado mestre do suspense - já está presente em seu penúltimo filme inglês, antes de migrar para os Estados Unidos. A obra de 1938 mescla, com muita habilidade, o mistério e a comédia. E é também uma crítica à sociedade inglesa.

 

A premissa é simples: uma idosa some durante uma viagem de trem. Antes disso, uma série de personagens, entre eles a própria, está presa em uma estalagem improvisada na estação, já que uma avalanche de neve não permite que o trem parta. A protagonista - uma jovem noiva que viaja rumo ao casamento - é uma protegida do gerente da estalagem, ao mesmo tempo que aquele que se tornará seu parceiro na procura pela idosa, com ela está em conflito. Quando o trem está para partir, a protagonista (a jovem Íris) é atingida por um tijolo e fica desorientada. Auxilia pela senhorita Froy (a idosa, preceptora e professora de música), ambas entram na locomotiva. Íris adormece e, quando acorda, não encontra mais Froy.

 

Quando se põe a sua procura, a comédia dá lugar ao mistério, que se acelera. Aí entra a crítica social do hábil diretor: os que viram Froy, indiferentes ao seu sumiço e interessados apenas em si mesmos (um casal de amantes que só quer esconder seu relacionamento clandestino e uma dupla de ingleses que só pensa em chegar a tempo do jogo público de críquete), não apenas se recusam a auxiliar na busca, como dizem não ter visto a senhora conversadeira. Íris recorre ao parceiro antagônico, músico que a incomodava na estalagem (interpretado por Michel Redgrave - Sir, na época e pai de Vanessa, a maravilhosa atriz inglesa), de início reticente em acreditar na existência da senhora.

 

Num jogo que mistura fantasia, a presença de um mágico, o desentendimento de passageiros que falam diferentes línguas, o acidente da protagonista, um paciente misterioso que entra no trem acompanhado por freira que usa salto-alto e um médico que desacredita Íris, tudo isso meado pelo tempo histórico do entre-guerras mundiais, Hitchcock ainda dá espaço à política, num desenrolar final surpreendente.

 

Um microcosmo fechado, personagens com perfis bem delimitados (típicos "modelos" da sociedade), um mistério que leva o espectador à angústia da protagonista (acompanhando-a passo a passo em sua busca, numa identificação ora com ela, ora com seu auxiliar) e a mescla com a comédia, torna A Dama Oculta uma excelente "porta de entrada" ao universo de Hitchcok.

 

 

 

GUILHERME REOLON DE OLIVEIRA

MTb 15.241

 

VERA MARTA REOLON

MTb 16.069

 

terça-feira, 28 de abril de 2020

Senhores e Escravos

A humanidade tende à escravidão, já dizia Lacan quando desenvolvia suas idéias reformulando Hegel, Senhor e Escravo, em sua Fenomenologia do Espírito. Isso parece uma insensatez se nos detivermos em olhares “globalizantes” e plenos de “possibilidades” que o mundo nos proporciona. Mas, buscando um olhar mais apurado e pensando um pouco mais (convoco-te a fazer o mesmo e “viajar” uns minutos) percebemos que vivemos sim em um mundo de possibilidades, porém tudo o que nos é ofertado realmente precisamos?. Nossas casas têm milhares de eletrodomésticos: micro, médios e enormes aparelhos, nas salas, nos quartos, as cozinhas com seus muitos instrumentos “facilitadores” do dia-a-dia e, assim, sucessivamente. E se nos detemos a ver o que realmente utilizamos, percebemos que é muito pouco, o restante mantém-se obsoleto, porém devem ali permanecer para resguardar determinado “status” sócio-cultural.

 

Se observarmos com atenção as ruas, veremos carros que se repetem, com cores igualmente repetidas. A moda dita o que devemos vestir (ou des-vestir), mas também dita a necessidade de determinado corpo “sarado”, quer seja por excessos em academias, ou por “obrigações” na alimentação que, à base de anabolizantes ou crises de anorexia/bulimia são conseguidos, tornando a meta da igualdade corporal uma pequena prisão (e perda de saúde, contrário do que é pregado na idéia proposta!). A maquiagem, quer seja definitiva ou com uso de determinadas “cores” faz uma apologia ao “pareça-se com..”, pois as pessoas ficam bem parecidas (observe bem!). Isso sem falarmos em plásticas, “liftings”, etc., que, ao invés de serem buscados para trazer saúde, às vezes só reproduzem doenças pelos excessos atingidos.

 

Vivemos em função do que é instituído por determinados grupos, idéias, imposições, porque precisamos estar inseridos na cultura, precisamos de certa forma nos “alienar” no outro para dizermos de nós. Mas também podemos buscar a liberdade, não a liberdade da alienação, mas a “liberdade limitada”, aquela que dita que meu espaço é só meu, que sou livre se habito nele e não quando busco viver no espaço que é do outro. Sou livre quando sei qual é minha diferença, meu talento, minha arte e a aprimoro, a amplio (como na parábola bíblica dos talentos), na busca de mim mesmo e no bem-estar da sociedade que vivo.

 

E, lembrando do filme do grande Kurosawa, Sonhos, quando o velho na aldeia diz (em tempos de apagão) que a noite é feita para dormir e o dia para trabalhar, por isso a noite é escura e o dia ensolarado, talvez devamos valorizar mais os momentos singelos e as pequenas coisas para podermos atingir a tão almejada felicidade.

 

 

 

#Artigo publicado no Jornal Pioneiro (Caxias do Sul), em 31 de julho de 2001.

 

 

VERA MARTA REOLON

Mtb 16.069

 

terça-feira, 28 de abril de 2020

Liberdade na Diferença

O filme “Pixote, ...” trouxe-nos a realidade do menor excluído, que perambula pelas ruas e, em sua miséria pessoal, é levado a cometer transgressões. O filme, mais que um marco de conscientização para a população em geral, nos apontou mecanismos sociais perversos, pois o menino retratado, com o filme, foi alçado a degraus de fama e compensações financeiras e depois, esquecido, volta-se a seu refúgio miserável: a transgressão e a morte.

 

Ao ler a história veiculada na imprensa de um menino que estava interno na Febem, com muitas fugas e retornos, e que ao ser adotado por uma estrangeira, cresceu, estudou, concluiu graduação e hoje tenta implementar nova realidade a essas crianças que vivem o que ele viveu, podemos nos perguntar: o que deu certo aí?

 

Provavelmente a grande diferença, vejo, está no amor, não no amor romântico dos beijos de folhetins, mas o amor que lança um olhar sobre a criança, o amor que denominamos “amor de estrutura”; amor que institui desejo no outro, desejo de viver e buscar. Que amor é este? É o amor que liberta e que, aliado a defesa da lei, vai fazer com que o pequeno ser ascenda à condição de sujeito.

 

Em outro filme, belíssimo!, de Giuseppe Tornattore, que o escreveu e dirigiu, percebe-se todos os efeitos estruturais necessários e importantes para o desenvolvimento do sujeito e de sua arte (seu talento, no sentido bíblico dos talentos, que nos designam e diferenciam!)

 

Um menino é deixado, na virada do milênio, em um cesto sobre um piano, a bordo de um navio. Ele lá podia ficar abandonado a sua sorte, sem registros, mas é encontrado por um engenheiro e nomeado, ao nome do pai é acrescido o símbolo diferencial mil e novecentos, marco de virada de ano e de espectativas milenares, mais ainda para a época. O menino cresce, o pai, por medo de que o Estado tirasse a criança dele, o proíbe de deixar o navio. Ele, assim, vê a vida passar olhando o mar. Dentro do navio ele é reconhecido e distinguido. Descobrem-no tocando piano, sem nunca ter aprendido música e, assim, sua grande marca diferencial aparece no social. Ele se torna um excelente pianista, genial, o melhor! Para cada rosto, uma história tocada ao piano... Apaixona-se, no olhar e nos lábios da jovem uma música, a melhor já composta... a música não podia sair do navio sem ele. Ao ser convidado a sair do navio, diz que, quando tentou, a grande cidade não tinha fim, isso o assusta. O navio é finito, as pessoas no navio, duas mil por vez, são finitas, podem ser tocadas ao piano. Na cidade não há possibilidade de tocar ao piano os milhões de iguais. No navio, na finitude, a diferença aparece. A diferença individual é passível de ser transformada na mais bela música, onde quer que esteja. (A Lenda do Pianista do Mar - A história de um mito, seus talentos e seus limites).

 

Termos uma arte e esta dizer mais de nós do que sabemos. Quando nosso olhar capta uma história no olhar do outro. Quando as palavras são desnecessárias ante a complexidade e a magnitude da música. Quando a imensidão do mar é mais finita, do que o concreto das cidades. Quando um é mais que um milhão, mais que o infinito.

 

No Brasil, Tarsila do Amaral com sua coragem e determinação ao mostrar sua arte fez a diferença da Arte Moderna Brasileira criando identidade própria. Ela despertou nossas raízes, nossa cultura com seu Movimento Antropofágico – que reproduz o pensamento dos intelectuais da época “devorar os colonizadores”.

 

Minha arte traz minha história nela, porque é singular, plena de inconsciente, maior que eu mesma, bela, bela porque é minha, porque diz de mim. É o melhor que tenho, é a verdade, o amor de meus pais, o que pensaram para mim, o que me distingue dos demais, ..., é minha vida, ..., é a paz da descoberta!

 

Nada se iguala a aventura do autoconhecimento. Ao vivermos em nossos próprios limites nos libertamos.

 

 

 

#Artigo publicado no Jornal Folha do Sul (Caxias do Sul), em 19 de janeiro de 2001.

 

 

 

 

VERA MARTA REOLON

Mtb 16.069

 

terça-feira, 28 de abril de 2020

Aproveite o Dia

 

Cem anos de Psicanálise... Proponho-me a escrever sobre a psicanálise num momento em que se comemora um centenário da mesma entre nós... Pergunto-me: e então, quais os avanços?, em que isso implica?. Implica que, apesar de Freud propor algo inovador para sua época, genial até, em um tempo povoado pelo cartesianismo de Déscartes, ele se dispôs a pensar, estudar, tratar e escrever sobre algo impensado, ouvir o ser humano no âmbito emocional. Freud foi contestado, criticado, mas os benefícios que sua ciência nos trouxe melhoraram a vida de muitos em todos esses anos. Outros sucederam a Freud, também geniais, ampliando ou corroborando suas proposições, avançando e propondo novos pensares, buscando da mesma forma seres humanos com uma vida mais saudável, mais digna,...., mais feliz.

 

Hoje, tanto tempo depois, muitos males subsistem, outros apareceram, talvez com outras nomeações a camuflá-los. Mas nós, em que avançamos?, o que aprendemos?. A proposta de sairmos dos consultórios, autorizarmo-nos na escrita, em direção ao social, parece-nos uma possibilidade e uma necessidade de buscarmos novas formas de cumprirmos um papel que, mais que social e necessário, enquanto membros de uma espécie, se impõe igualmente necessário enquanto seguidores de uma ciência que desde sua concepção se apresenta na escrita e na transposição para o social com o intuito de melhorias na qualidade de vida dos seres humanos, com uma conscientização das urgências que se fazem na busca do equilíbrio físico/emocional. Neste contexto pensamos em abrir um espaço em que nos propomos a pensar o cotidiano em uma forma discursiva que se exige séria, saindo dos “receituários”, tão em voga em nossos dias.

 

“Carpe Diem”, expressão latina que quer dizer “aproveite o dia”. Ouvi-a no filme Sociedade dos Poetas Mortos. No filme um professor de literatura/poesia propunha-se a ensinar seus alunos, não a métrica, a técnica da poesia, e sim que buscassem a “essência da vida”, a essência de si mesmos, descobrindo-se. Sabendo de sua “arte”, de seu “desejo”, estariam efetivamente praticando a poesia em suas próprias vidas. O professor era o “Captain” para seus alunos.

 

Freud provavelmente, enquanto o “Captain” maior de nossa teoria, depois Lacan, não menos “Captain”, nos transmitiram antes de qualquer técnica, novas formas de pensar, propostas de pensamento, de ação, para podermos implementar mudanças efetivas no campo social, partindo do individual... Do individual por quê?. Ora, porque não podemos nos esquecer do ensinamento maior da psicanálise: a valorização da diferença, da diferença enquanto própria de um indivíduo, o que o torna único, não igual a outro. Nestes dias em que há a tentativa de banalizar coisas sérias, de igualar todos em contextos determinados, falarmos a partir de uma premissa individual em direção ao social parece incoerente? Penso que não. Penso que impõe-se, neste momento, que retomemos esta linha de pensar, para que não nos percamos definitivamente em algo que, mais do que impossível de ser atingido, perverso, é algo que inexiste. Inexiste porque, não há dois seres idênticos, cada um tem particularidades próprias, que se descobertas, aprimoradas, serão, metaforicamente falando, como que diamantes brutos que ao serem lapidados tornam-se mais belos, mais preciosos, mais valiosos. Aproveitar o dia impõe pois a busca deste“polimento”. Para nós, sujeitos de uma individualidade maior, porque mais sabedores de nossas particularidades. Mas não menos sujeitos sociais, porque esta consciência maior implica uma inserção deste sujeito artístico no social, fazendo “diferença com sua diferença”. Trazendo para minha individualidade proponho levar o conhecimento da psicanálise para o contexto social, através do entendimento do ser humano na particularidade. Não do sujeito particular, porque isso seria avançar sobre o seu espaço, divulgar sua “verdade”, o que evidenciaria uma falta de ética, mas partir de uma teoria, que fundada no particular possa, penso, dar conta, ou tentar explicar um social..até porque o social é feito de um conjunto de particulares.

 

Aproveitar o dia....para não chegarmos como Borges (outro grande “Captain”) em seu poema, em um ponto de nossas vidas, arrependendo-nos de não termos feito o que poderíamos ou até deveríamos ter feito,para que o que tivemos possa ser chamado: Vida.

 

 

 

# Artigo publicado no jornal Folha do Sul, em 28/07/2000.

 

 

VERA MARTA REOLON

Mtb 16.069

 

terça-feira, 28 de abril de 2020

INTER-TEXTO CINEMA X LITERATURA NO SÉCULO XIX

 

 

A idéia é estabelecer um inter-texto entre a resenha de um livro MODA E ARTE NA REINVENÇÃO DO CORPO FEMININO DO SÉCULO XIX e o filme A ÉPOCA DA INOCÊNCIA, de Martin Scorcese.

 

A autora do texto, resultado de sua dissertação de Mestrado na Unicamp parte Maria Ximenes da indagação: quem mais influenciou a construção da estética da forma do corpo vestido?

 

A questão é ampla, quiçá ampla demais para as tentativas de resposta da autora. Mas sigamos. A moda inicia no Renascimento, com o advento da burguesia emergindo financeiramente, quando estes passam a copiar as roupas da nobreza. Fenômenos cíclicos que, para Bourdieu caracteriza a pretensão e a distinção “..a dialética da pretensão e da distinção, princípio da transformação permanente de gostos. Nesse jogo de recusas recusando outras recusas, de superações superando outras superações..”. Distinguindo o que se tornaria na marca maior da moda, a efemeridade.

 

O século XIX tornar-se-ia singular,pois, em função da Revolução Industrial, a moda dá um salto, passando do espaço artesanal, para o industrial, de teares automáticos e assim à criação de magazines. Outra característica marcante deste período é o uso da fotografia e das pranchas de moda, extrapolando o uso dos retratos familiares, partindo para o uso de modelos e vestimentas fotografados.

 

Os homens portavam roupas que lhes propiciavam a mobilidade, enquanto que, para a mulher era reservado o ambiente mais restrito, de pouca mobilidade, com espartilhos, armações para dar volume às saias, depois substituídas por menores, das “crinolinas” às anquinhas, cobrindo as nádegas, dando volume às mesmas, com o intuito de dar maior forma ao corpo feminino.

 

Para a autora esta época se distingue por dar forma ao corpo feminino, como o de uma ampulheta, o que a instigou a desenvolver tal estudo.

 

A Revolução Francesa também instigou as mulheres a participarem de movimentos sociais, levando-as às ruas em reivindicações, sem distinção de sexo.

 

As mulheres do século XIX prezam o decoro, a virtude da obediência e submissão, em contraposição à devassidão do século anterior, embora o XIX tenha sido conhecido como o século das infidelidades. Século também distinto pela chegada a Paris de Worth, primeiro grande costureiro da alta-costura parisiense, que monta sua “Maison”.

 

Na arte o corpo feminino estava em evidência, para realistas e impressionistas, contemplando as preferências da época, nos corpos femininos, as ancas e as nádegas, embora as mesmas ficassem completamente cobertas com as vestimentas, em detrimento dos colos, que ficavam mais a mostra, em generosos decotes. As saias insinuavam o que de “sexual” há, enquanto os corpetes mostravam o que de maternal se mostrava na mulher.

 

Com o advento da burguesia atingindo o poder, e com ganhos financeiros significativos, os ganhos dos homens no público apareciam, inclusive, em suas mulheres, nas roupas, adornos, enfim, tudo o que pudesse mostrar sua superioridade financeira (objetos?).

 

Os homens neste século apresentam-se vestidos de forma sóbria, exceto os dândis. A mulher reina para o homem e para que a sociedade veja o quanto de poder financeiro este homem dispõe. Para Berger “..a maneira como uma mulher aparece para um homem pode determinar como será tratada..”. O corpo feminino com vestes ou sem demonstra formas apreciadas pelos homens.

 

As roupas possuem uma segunda natureza, pertencente a um processo civilizatório => aqui pode estar uma resposta a indagação que a autora se faz na pesquisa, pois seu argumento principal foi revelar, segundo a mesma, o quanto o corpo feminino esteve esculpido pelo olhar masculino => a mulher, socialmente, vive em função desse olhar e da necessidade de mostrar-se como objeto deste olhar.

 

O corpo é um suporte para a arte, a roupa, um objeto de arte, agora não mais somente a nível artesanal, mas também industrial.

 

A marca deste século: mulher, sexualidade e corpo; homem, espírito e energia.

 

Neste século também as crianças já não são mais pequenos adultos nas vestimentas, inclusive com o uso de espartilhos, mas já portam vestimentas construídas e constituídas para si.

 

Às mulheres era reservado o uso de bastidores, tocar piano, cantar em apresentações, saraus, ser paciente com os pequenos, tudo que evidenciasse boas características para o casamento e a maternidade. A família representa não só patrimônio, mas capital simbólico. As mulheres, inclusive, deveriam, era interessante, que se mostrassem tolas, impotentes e belas, objetos de consumo.

 

Predominam nas vestimentas saias que cobrem completamente as mulheres, inicialmente rodadas, depois retas na frente e com saliência nas ancas, com leve cauda, cinturas bem marcadas, o corpo delineado.

 

A Europa e a América do Norte eram prósperas nesta época. As roupas deveriam mostrar isso.

 

O uso das “crinolinas” levavam as mulheres a fadiga, a melancolia era uma marca das mulheres, estampando isso em seus rostos, o porte de olheiras, incentivando-as e/ou criando-as.

 

Neste século Mrs. Bloomer busca propor roupas mais confortáveis para as mulheres, estas porém não as aceitam. Apenas mais tarde, com a participação feminina em práticas esportivas as calças de Bloomer fazem-se presentes, possibilitando a montaria, facilitando cavalgadas.

 

O corpo feminino desnudo não possui mais encantos do que o corpo vestido, as roupas transformam este corpo em um corpo idealizado. O nu na arte se relaciona com a sexualidade vivida.

 

Roupas, mulheres como objeto do homem, mas também modo libertador, revelando a mulher.

 

O filme A ÉPOCA DA INOCÊNCIA, se passa na Nova York de 1870, a, mais ou menos, 1910, logo um exemplo da pesquisa realizada na literatura.

 

O filme mostra a freqüência à ópera: homens de smoking, lapelas em flor, gravatas borboleta prata, branca, jóias, relógios de corrente. Carruagens, bailes anuais em salões imensos. Os espartilhos mantinham os corpos de todos os tamanhos acinturados e saias longas que descem quase retas, abrindo-se em godês e caudas no chão.

 

A arte estampa-se em todas as peças, Retorno da Primavera, de Bouguereau, como centro de comentários, o nu estampado e visível em ante-salas de salões.

 

A hipocrisia nas relações corre solta. Acata-se, sob “vistas grossas” traições masculinas, onde a mulher deveria aceitar calada tais confrontos, sem imitações, ao modelo masculino vigente.

 

Conversas privadas, em um social onde reina a tradição, não versam sobre sentimentos, mas sobre amenidades, numa continuação das relações sociais um tanto quanto superficiais.

 

No dia-a-dia, as gravatas borboletas dos smokings cedem lugar a lenços amarrados como gravatas. Uso de luvas, cartolas, chapéus, bengalas. Nova York é uma seqüência de Londres – desde o serviço do chá, às dezessete horas, até as convenções da tradição, em que o divórcio e a liberdade são vistos como não “familiares”.

 

BIBLIOGRAFIA

 

BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP; POA: ZOUK, 2008.

 

BERGER, John. Modos de Ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

 

XIMENES, Maria Alice. Moda e Arte na Reinvenção do Corpo Feminino do Século XIX. São Paulo: Estação das Letras e Cores Editora Ltda, 2009.

 

A ÉPOCA DA INOCÊNCIA – Direção: Martin Scorcese.

 

 

 

VERA MARTA REOLON

Mtb 16.069

 

terça-feira, 28 de abril de 2020

A música, a água e o Outro: ensaio sobre a psicose em “Shine”

 

 

 

Longe de ser a loucura o fato contingente das fragilidades de um organismo, ela é a virtualidade permanente de uma falta aberta na sua essência. Longe de ser para liberdade ‘um insulto’, ela é sua mais fiel companheira, ele segue seu movimento como uma sombra. E o ser do homem não pode ser compreendido sem sua loucura, assim como não seria o ser do homem se não trouxesse em si a loucura como limite de sua liberdade.

Jacques Lacan

 

 

A psicose, para a psicanálise, é uma falha no que concerne à realização do “amor”, amor de estrutura, que incute desejo e, portanto, diferencial, constituição de sujeito. Na psicose, o que se observa é uma relação simbiótica entre o sujeito e o Outro, função materna, campo da linguagem e inscrição de significantes. O sujeito se introjeta ao Outro, para não deixar que se abra um espaço por sua falta.

 

O sujeito, ao permanecer com o Outro, não subjetiva, não se estrutura enquanto ser singular, único, diferencial, uma vez que não tem desejo, não lhe é permitido desejar, já que este Outro não o amou, não o desejou. E mais: a lei não é inscrita, e o sujeito não consegue se internalizar, pois o Outro não incluiu na relação o terceiro, o Lugar de Desejo da Mãe. Isso, pois, é a foraclusão, o mecanismo do psicótico. Mecanismo através do qual se produz a rejeição, provocada pelo Outro, de um significante fundamental (o Nome-do-Pai) para fora do universo do sujeito. Quando essa rejeição se produz, o significante é foracluído. Não é integrado no inconsciente, como no recalque, e retorna sob forma alucinatória no real do sujeito.

 

Na psicose, o sujeito está ligado, habita o Outro e introjeta uma estrutura semelhante à linguagem. Mas esse lugar tem um suporte: o Nome-do-Pai. É exatamente este significante que tem como função representar o Outro, sob a forma da lei, que falta. Justamente por isso Lacan fala que o que caracteriza a estrutura psicótica é a foraclusão do Nome-do-Pai.

 

Por conseqüência, os delírios e as alucinações tornam-se realidade, mundo vivido. As buscas por uma exterioridade são representações, sintomas desse sujeito que não se volta e não constitui para o dentro-de-si, mas que não inclui, ou seja, foraclui toda e qualquer possibilidade de simbólico. O que se percebe, no psicótico, é uma triplicação de real, simbólico e imaginário, ou melhor, uma sobreposição de registros que se confundem. Na psicose, não há simbólico, não há linguagem, não há representação lingüística, tudo está contido nos registros Real e Imaginário.

 

“O que não veio à luz do simbólico, aparece no real”, afirmava Lacan. O psicótico quer o gozo absoluto. Para ele, o desejo é violência (é assim que ele interpreta, mas não violência enquanto ato, ação propriamente dita). Nele, o Real, o Simbólico e o Imaginário se confundem. Ele produz um outro “real” – a alucinação – e um outro “imaginário” – o delírio – para acreditar-se sem falha. Os objetos do delírio não passam das faces objetais dele. O psicótico funciona como falo do Outro.

 

O psicótico fica no nível do Outro, duplo de Outro não castrado, relação SA. Há pai severo, que impede qualquer possibilidade desejante. No lugar do desejo, há hostilidade. Assim, no psicótico não há inconsciente, não há recalque, não há metáfora, tudo é transformado em alucinação ou delírio, pois não há marcas, principalmente a amorosa, a constituidora de desejo. Ele não simboliza, pois não foi marcado pela falta, não houve separação. Ele personifica o Outro, ele se transforma em Outro. Desta forma, ele ignora a diferença, ele tem o saber absoluto, o saber da certeza.

 

O filme “Shine” dirigido por Scott Hicks e estrelado por Geoffrey Rush, nos apresenta a história de David Helfgott, pianista e filho de Peter Helfgott, pai neurótico obsessivo, tirano, severo e “sugador”. Peter é o Outro de David. Em “Shine”, percebe-se, claramente, o mecanismo da estruturação do sujeito psicótico. É Peter quem representa o campo da linguagem e das significações a David. Por ser um Outro que não incute Lugar de Desejo da Mãe e, posteriormente, inscrição do Nome-do-Pai, Peter foraclui este significante primordial na estruturação de David.

 

A história real apresentada em “Shine”, na qual o Concerto nº 3 de Rachmaninoff poderia ser interpretado como objeto a da relação SA entre David e Peter, escancara uma psicose desencadeada quando da apresentação do concerto em questão. É no momento da interpretação do concerto, que David é acometido pelo surto psicótico que, posteriormente, lhe desintegra a personalidade. Outros momentos do filme deixam clara essa relação “psicotizante” entre David e Peter, quando este queima a carta de admissão de David, símbolo de libertação e possível saída do discurso do Outro.

 

“Ninguém vai amá-lo como eu” e “Animal asqueroso: defecar na banheira, que nojento” são expressões que evidenciam uma sucção de vida por parte de Peter. É esta sucção, prisão, colagem, demonstrada por uma intensa demonstração dicotômica entre amor e ódio, que estrutura e inscreverá David no campo psicótico. Uma relação em que só há Outro e não há função paterna determina o destino do pianista. Cabe ressaltar o desejo de Peter em formar David a partir de uma constituição não tida por ele de seu pai: “Meu pai nunca permitiu a música. Você é um menino de sorte.” Ora, seria a música o desejo de David, ou de Peter?

 

A música e a água têm também um caráter constituinte em David. Ao mesmo tempo em que a música representa um alicerce, ainda que imposto pelo Outro como desejo (?) – aqui cabe bem a célebre expressão de Lacan, “O desejo é o desejo do Outro” –, esta prende David na infância e não permite um seguir, um não não-ceder de seu desejo – cabe ressaltar a frase de David, “papai escolheu a música”. A água, por sua vez, simboliza um retorno ao útero, retorno ao acolhido, confortável e seguro, que, para David, seria a saída do Outro, uma vez que é sua mãe a acolhedora – ainda que à distância – quando da rejeição de David por parte de Peter.

 

David, à semelhança de outros artistas, tais como Vincent Van Gogh, Salvador Dalí, Franz Kafka, Fiódor Dostoievski, faz de sua arte “a expressão do inexpressível”, como mencionado por uma das personagens. A arte, para estes, funcionaria como uma “válvula de escape”, sintoma, já que são manifestações, expressadas no delírio, com suas características de desvario bem construído e sistematizado, mostrando a mescla de registros em funcionamento na psicose. Em Shine, especificamente em David, presencia-se o que de singular há na psicose: o eu não constituído como imagem unificada do corpo próprio e o Outro reduzido ao outro como semelhante: “No ponto em que, veremos como, o Nome-do-Pai é invocado, pode então responder no Outro um puro e simples buraco, o qual, pela carência do efeito metafórico, provoca um buraco correspondente no lugar da significação fálica” (LACAN apud Waelhens, 1990, 95).

 

A arte, enquanto sintoma, é linguagem em David. A arte é a única linguagem do psicótico, uma vez que este tem imaginário e real sobrepostos ao simbólico, ao registro da linguagem. É a arte o delírio e (por que não?) a alucinação de David, uma vez que ele não tem simbólico:

 

[...] uma dupla transcendência da fala: transcendência da fala perante ela mesma e transcendência da fala perante o mundo. [...] no psicótico essas duas funções de transcendência deixam de funcionar ou passam a funcionar apenas no vazio e sem o controle de uma sobre a outra. Ora, ambas são necessárias para que se assegure “a emergência do mundo simbólico no mundo da realidade. (WAELHENS, 1990, p. 180).

 

“Nunca cresci, eu diminuí, eu sou um inútil”, diz David em um momento, após o surto desencadeante da psicose. Essa expressão evidencia um “ficar à mercê”, como sombra do Outro, em que pensamento, conduta e afetividade são determinados por este Outro que permanece colado, unido ao sujeito. Rabinovitch expressa, poeticamente, como as funções mentais se situam no psicótico, a partir da foraclusão:

 

A foraclusão é o nome da fratura que os encerrou fora de toda inscrição, fora das pegadas na rota dos nossos sonhos, do céu dos nossos pensamentos, da casa da nossa dor ou da nossa alegria [...] A foraclusão não atingiu apenas os significantes fundadores do inconsciente, ela jogou fora a sua chave para sempre; expulsou-os para longe, muito longe dos presos nesse estranho exterior [...] O exílio fratura a memória; as fotografias da família desapareceram, os objetos do lar foram dispersados, não há mais marcas. Mais radical ainda que a supressão das marcas, a ausência de palavras para dizer a supressão das marcas, a ausência de palavras para dizer a supressão abole uma não-marca. (RABINOVITCH, 2001, p. 8).

 

Pensamento, conduta e afetividade, assim como o próprio viver do sujeito, sua posição e papel enquanto ser-no-mundo, estão em desarmonia, porque é o significante do Nome-do-Pai, foracluído em David, que organiza o mundo para o sujeito, que confere sua realidade ao mundo da percepção. É o significante Nome-do-Pai, faltante em David, que entrelaça os três registros – Real, Simbólico e Imaginário – e que dá sustentação, estruturação ao sujeito. A estrutura psicótica de David expressa essa falta, esse descentramento, esse estado fora-de-si, manifestação em delírio e/ou alucinação, representadas no personagem pela “busca” incessante da perfeição musical, o Concerto nº 3 de Rachmaninoff, determinada por Peter, enquanto gozo absoluto, gozo do Outro, JA. A psicose, portanto, nada mais é que uma psico-ose, uma psiquê-ose: uma infecção, uma inflamação, uma alteração patológica do psiquismo, da alma.

 

REFERÊNCIAS

JORGE, Marco Antonio Coutinho; FERREIRA, Nadiá Paulo. Lacan: o grande freudiano. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

JURANVILLE, Alain. Lacan e a filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

LACAN, Jacques. O Seminário 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

RABINOVITCH, Solal. A foraclusão: presos do lado de fora. Rio de Janeiro: Zahar, 2001

WAELHENS, Alphonse De. A psicose: ensaio de interpretação analítica e existencial. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

 

GUILHERME REOLON DE OLIVEIRA

Mtb 15.241

 

 

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