teoria da arte
Jeanne Hébuterne (1919)
Modigliani
127x81cm
Coleção particular
quinta-feira, 25 de junho de 2020
Aula apresentada: Prática em dança
quinta-feira, 25 de junho de 2020
Aula apresentada: Estudos sócio-histórico-culturais em dança
quinta-feira, 25 de junho de 2020
“FANTASMATA” – ENTRE MOVIMENTOS:
a educação EM DANÇA E AS demandas contemporâneas
VERA MARTA REOLON
Pesquisa apresentada à Área: Dança – Subárea: Estudos sócio-histórico-culturais em Dança vinculada a ESEFID – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança..
PORTO ALEGRE – RS
2015
OBJETIVOS
1.Objetivo Geral
Investigar como a arte-educação em dança pode contribuir para aprimorar elementos e processos do próprio fazer dança, e em que o “fantasmata” se insere neste contexto e como ele acontece.
2.Objetivos específicos
Identificar o “fantasmata” (se é que é possível!) do “entre” movimentos, no “processo” do dançar. Qual o lugar deste “fantasmata” – em que ele favorece (se o faz) o fazer dança. Esse não-ser sendo altera os princípios do dançar e se faz como se daria?
Identificar o TEMPO em Dança. Como seria, como ele se daria, em que influencia o dançar?. Existe TEMPO, ou poder-se-ia dizer que podemos dançar sem tempo – alguém já o fez, historicamente falando (HISTÓRIA É TEMPO!), alguém já tentou, alguém já o conseguiu?
Identificar e analisar em quê estes estudos, o dançar e seus processos facilitam o aprendizado nas diferentes aberturas educativas e mesmo nos próprios processos artístico-estético-culturais, seu aprimoramento e avanços .
Identificar e sistematizar (se possível!) em que a Dança contribui para o “cuidado de si” conforme proposto por Michel Foucault.
PROBLEMA
A essência da dança não é o movimento, mas o TEMPO. “Fantasmas” vigem entre o movimento e o seu cessar. Este não movimento que é movimento é que é essencial à dança. Aquilo que a torna intocável, o que ela é e não é (sendo!), o pleno do ser e o vazio do ser, potência e impotência, ato e não ato.
O que é isso? Que tipo de vazio é? É vazio? De que tempo se fala? O tempo relógio? O tempo marcado, o tempo medido? Se não, que tipo de tempo é?
Qual a essência da música? Música é essencial à Dança?
Dança é arte? – Parece não haver dúvidas com relação a esta premissa básica, mas porque razão as escolas não consideram a dança como parte de um grande processo educativo, que vise a uma educação ampla?
Como implementar uma nova formulação em dança na Academia que vise profissionais professores, licenciandos marcados com a arte da dança, mas a arte de ENSINAR DANÇA?
Como seria ensinar dança e aprender mais sobre a ARTE da dança?
Como ver a dança – arte e aprofundar seus conceitos e elementos?
A partir da LDB 9694/96, as aulas de Educação Artística deveriam trazer a arte – linguagem-dança para seus currículos, alunos e professores como agentes de suas próprias práticas, através de Projetos Interdisciplinares via Tema Gerador.
Isto basta para ver a dança como uma arte importante nos processos de aprendizagem?. Digo, que ela, a dança seja “inserida” nas escolas via tema gerador e, especificamente, como LEI, para que ela seja absorvida pela população escolar como ARTE? Como arte necessária? .
A dança como um tema transversal e não como um campo de importância fundamental no desenvolvimento de processos cognitivos superiores de movimento, equilíbrio, técnica, desenvoltura, postura, trabalho do corpo – não apenas nos movimentos contemporâneos de uma busca de corpos perfeitos, mas em uma busca de saúde global, à semelhança do mundo grego em que a ética no viver não se desvinculava da estética, dos cuidados da saúde corporal, do bem viver, da arte no e do viver.
Ter um professor em Dança, em Licenciatura em Dança (que é muito diferente, ser um professor de dança e um professor de licenciandos em dança!) que tenha conhecimentos interdisciplinares, das diversas subjetividades e necessidades de estudo de abordagens dessas subjetividades é primordial para atingir objetivos que todos nós criticamos quando falamos da arte da dança, da arte da dança como necessidade de conhecimento em arte, em estética, desde a escola, não apenas como mero auxiliar nas diferentes educações artísticas, mas como desenvolvimento de habilidades superiores, inclusive de avaliações culturais e sobre a cultura, de desenvolvimento de uma cultura dita ampla, que não se detenha em fragmentos, mas vá em direção de uma EDUCAÇÃO, em seu mais amplo sentido.
Abordar e ampliar as noções do CUIDADO DE SI, como conhecimento de si, como busca de uma cultura ampla, de educação, de saúde, de arte de si, parece ser primordial para atingir o que os gregos acreditavam ser a ÉTICA, centro de ethos existencial.
Implementar estas idéias nos aprendizados em dança, na formação de licenciandos engajados em um novo olhar sobre a vida, sobre a arte, sobre o viver com arte, me parece fundamental para que a relevância da dança na escola ganhe ares de uma verdadeira interdisciplinaridade, quiçá transdisciplinaridade. Discorrer sobre a diferença de ambos os conceitos também parece importante para a Academia do hoje!.
Os estudos do movimento, o mover-se e o seu cessar (que também é movimento) estão intimamente ligados a todo um fazer em dança, quando não são o próprio dançar. Que o digam todos os grandes coreógrafos em dança moderna e contemporânea, Isadora Duncan, Marta Graham, Merce Cunninghan, Pina Bausch, entre outros. Mas não só os de Dança Moderna e Contemporânea, mas todos os bailarinos.
Os estudos do movimento requerem um “observador” atrelado a saberes múltiplos, que implicam conhecimentos em física, matemática, corpo, biologia, inconsciente, história, sociologia, filosofia, psicanálise, saberes que nem sempre estão envolvidos em um mesmo fragmento de escola, em um mesmo fragmento e segmento dentro da academia. Inclui passagens, caminhos que já foram e devem ser traçados por observador interessado em movimentos inter e transdisciplinares.
É relevante e justificado que se avance em direção a novos estudos em dança, uma arte milenar, mas ainda envolvida em véus de ignorância quanto a seus pressupostos.
TEORIA OU QUADRO TEÓRICO
A psicanálise, como teoria interpretativa da realidade, serve para analisar os fenômenos, no campo individual, através das manifestações do inconsciente, presentes na linguagem dos diversos sujeitos, nos chistes, na interpretação dos sonhos, etc. Pode, entretanto, interpretar os fenômenos sociais, através da análise das manifestações da sociedade, das organizações e instituições, dos grupos sociais. Aliando-se a filosofia, essencial para seu desenvolvimento deste o início, a psicanálise, além de realizar interpretações, reflete sobre os fatos, utilizando-se das teorias dos grandes pensadores.
Partindo-se, assim, da escrita desconstrutiva de Derrida, o discurso psicanalítico é o que pode dar conta das questões contemporâneas: “Se há um discurso que poderia, hoje em dia, reinvindicar a causa da crueldade psíquica como assunto próprio, este é o que se chama, de mais ou menos um século para cá, psicanálise” (DERRIDA, 2001, p.8-9).
Lanço uma hipótese de que os processos educativos é que podem propiciar uma resposta às grandes questões contemporâneas. Pode a educação fazer frente a essas questões? Pode ela isentar-se disso? Como educar sem fazer essa passagem?
Nunca, em nenhuma outra época de nossa história, esteve o homem tão só em meio à multidão. Os ideais que o sustentavam caíram, a felicidade não depende mais da harmonia de vínculos sociais, mas de objetos adquiridos e ofertados incessantemente pela mídia e os instrumentos gerais do marketing. Há uma oferta de gozo total. A foraclusão da Lei da vida é paga com dízimos. O sujeito é transformado, através do seu assassinato, em objeto submisso do gozo do Outro. Não há nada mais psicotizante do que isso. Nas doenças da modernidade, anorexia, bulimia, toxicomanias, o que se tem são sombras que o mundo das luzes não ilumina. A modernidade nos oferece um mundo iluminado pelos outdoors plenos de ofertas, luzes de néon, que não chegam a iluminar a necessária busca do homem e de si mesmo. Nosso eu, quem sou, para onde vou, o que desejo (?), não há resposta. A oferta que temos é de pulsão de morte em todo tempo. O mercado demanda ofertas onde o consumidor precisa e não vive sem a mercadoria. Este é o modelo de paradigma que abarca as toxicomanias, é causa e conseqüência delas. O que vem antes, um mundo que facilita as toxicomanias, ou elas originam o mundo? Não sabemos, devemos pensar sobre isso. As doenças modernas remetem à morte do sujeito, uma segunda morte que vem antes da primeira (interrupção da vida), pois esta segunda é a morte do sujeito no Simbólico.
Michel Foucault em seus Seminários sobre o Governo de Si e dos Outros e sobre a Hermenêutica do Sujeito aborda e discorre sobre o cuidado de si, como uma questão ampla de uma busca de saúde que vai de encontro com o conhecimento de si, com o saber de seu corpo, com o saber de suas necessidades, de seus desejos, com vistas a uma ampla busca de felicidade, não mais como uma busca utópica, subjetiva, inalcançável (talvez como ideal demais!) mas, através desse conhecimento de si, uma felicidade possível, palpável, vivenciável: “A filosofia está assimilada ao cuidado com a alma (o termo é precisamente médico: hugiainein), e esse cuidado é uma tarefa que deve ser seguida ao longo de toda a vida”. (FOUCAULT, 1997, p.120).
Hermenêutica de si => epimeléia heautou (grego) – cura sui (latim) – princípio de ocupar-se de si => cuidar de si mesmo => conhecer a si mesmo => obscurecido pelo brilho do Gnôthi seauton. (FOUCAULT, 1997,p.119).
A psicanálise, especialmente a lacaneana, quando aborda a Lógica do Fantasma, conceito importante que estabelece a diferença entre fantasia – de cunho vinculado à neurose, estruturalmente falando – como sintoma, ou melhor apresentação, forma de manifestação do sintoma da neurose, diferente da forma de manifestação da perversão, inclusive presente na máxima “lá onde o neurótico fantasia, o perverso faz”; e fantasma (“fantôme”), marca, identificação na subjetividade de cada sujeito, ao imaginário do Outro ( “sua” Mãe!), que de imaginário do Outro fica como marca Real na estrutura subjetiva do ser falante.
Como, depois disso, definiremos realidade ao que chamei a pouco o pronto para carregar o fantasma, isto é, o que faz seu quadro e veremos então que a realidade, toda a realidade humana, não é nada mais que montagem do Simbólico e do Imaginário – que o desejo, no centro desse aparelho, desse quadro que chamamos realidade, é também, para falar propriamente, o que ocorre, como eu o articulei desde sempre, o que importa distinguir da realidade humana e que é para falar propriamente o Real, que não é nunca senão entrevisto; entrevisto quando a máscara, que é aquela do fantasma, vacila. A saber, a mesma coisa que o que Spinoza apreendeu, quando ele disse: “o desejo é a essência do homem” (LACAN, 2008,p.19)
Porquê a obra de arte tem a ver com elementos socio-culturais?: “A obra de arte encerra elemento histórico e sociais que a estética tem a tarefa de explicitar. A obra não somente “julga” a sua maneira a história e a sociedade, mas ela própria é candidata, à apreciação e à avaliação do público”. (JIMENEZ, 1999, p.374).
Segundo Walter Benjamim, a aura é um veículo de desaceleração que parece diluir-se ou ser incompatível com as experiências de “choque da modernidade” e com os sonhos de consumo imediato do capitalismo. A arte, para Benjamim, ela o é através de sua “Aura”, do que a define como arte, daquilo que faz a diferença entre um objeto comum e o que o institui como obra de arte.
Segundo Deleuze, o acontecimento não é o que acontece (acidente), ele é NO que acontece, o puro expresso que nos dá sinal e nos espera. O acontecimento não mostra como se forma o sentido, mas como ele deriva de um estado de coisas. O acontecimento é o próprio sentido, sentido produzido. O acontecimento instala-se diretamente no tempo. Para Deleuze o nonsense não é o sem sentido, mas onde está o total do ser, sua potência, ou seja, onde o SENTIDO é MÀXIMO.
Parar => possibilidade de ato que critica a ação. Ato parado, ato de resistência.
Agambem faz relações entre tempo e imagem. Agambem discorre em seu texto sobre a questão do tempo e do fantasmata em dança.
Aristóteles afirma sobre a dignidade da dança => Dança é tanto intelectual, quanto prática. Arte composta de seis elementos: medida, memória, agilidade, maneira, medida do terreno e “fantasmata”. “Somente os seres que percebem o tempo recordam, e com a mesma faculdade da imaginação...” Domenico De Piacenza retoma de Aristóteles o conceito do movimento em dança:
“danzare per fantasmata” => muitas coisas que não se podem dizer.
Fantasmata => presteza corporal – impedimento improvisado – demora entre dois movimentos. Dele surge a imagem como um cabelo de Medusa, que se move e que não podemos olhar.
↓
Daí surgiria a tensão interna entre a medida e memória na série completa da coreografia.
Este não movimento que é o movimento é o que me parece ser essencial à dança. Aquilo que a torna intocável.
É ao fantasma que se chega ao tocar essências: “A dança é esta arte que, ao tocar na essência do movimento cessa de ter sentido e só se recupera no ato parado, na PARAGEM” (TIBURI;ROCHA, 2012, p.96-97).
Relações espaço-temporais contidas nas danças tradicionais e nas produções artísticas estão diretamente relacionadas à pluralidade cultural, pois expressam e comunicam conceitos e vivências de diferentes épocas e espaços geográficos.
Quem pode dançar? Quem pode dançar o quê? Quais os diferentes conceitos de corpo?
Um professor pode enfatizar os corpos que dançam e os corpos NA dança.
Aprender dança significa incorporar valores e atitudes. Como a dança pode, e pode, alterar todo um estado de violência que vige no social, através de vivências e aprendizados de e na arte.
SER UM PROFESSOR DE DANÇA É MAIS DO QUE SER UM BAILARINO, É SER ALGUÉM QUE COMPREENDE O MOVIMENTO EM DANÇA! E O TRANSMITE.
Espero o dia em que serei juiz de mim mesmo e saberei se tenho a virtude sobre os lábios e no coração (SÊNECA, carta 26, apud FOUCAULT, 1997, p.134).
Sua descrição é modulada e equilibrada artisticamente. Isso se chama ESTILO. Isso é ARTE. Isso é a única coisa que interessa nos livros. (NABOKOV sobre FLAUBERT).
METODOLOGIA
Através da leitura das obras dos autores indicados, analisar como a ética, a psicanálise, a estética e a educação confluem e podem interligar-se no sentido de buscar respostas às demandas contemporâneas, ampliar e conceituar o “fantasmata” em dança e o estudo do movimento como um todo.
Procedimentos
1. Realizar-se-á um estudo do conteúdo das obras indicadas, delimitando seus enfoques na Ética, Educação, Movimento.
2. Após a delimitação dos enfoques, interpretar-se-á quais as confluências entre a educação, ética, estética, arte, movimento.
3. Estudar-se-á a contextualização da dança desde o seu surgimento até a pós-modernidade, identificando suas mudanças em relação a sua estética e em relação aos seus enfoques, com vistas a delimitar os estudos do movimento, mais especificamente o entre-movimentos.
4. Introduzir-se-á ao estudo, conhecimentos provenientes de outros pensadores,e outros campos acerca de suas teorias sobre o tema.
5. Interpretar-se-á, sob as perspectivas da educação, da estética, da dança e das diferentes transdisciplinas os resultados das análises, dos estudos.
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terça-feira, 28 de abril de 2020
BAUHAUS
terça-feira, 28 de abril de 2020
Impressionismo e Surrealismo
IMPRESSIONISMO
Impressionismo foi um movimento que surgiu na pintura francesa do século XIX. Vivia-se, neste momento, a chamada Belle Époque, ou Bela Época, em português. O nome do movimento é derivado da obra "Impressão: nascer do sol" (1872), de Claude Monet.
O Impressionismo começou com um grupo de jovens pintores, que rompeu com as regras da pintura vigentes até então. Os autores impressionistas não mais se preocupavam com os preceitos acadêmicos ou do Realismo. A busca pelos elementos fundamentais de cada arte levou os pintores impressionistas à produção pictórica não mais interessados em temáticas nobres ou no retrato fiel da realidade: passam a entender o quadro como obra em si mesma. A luz e o movimento, utilizando pinceladas soltas, tornam-se os principais elementos da pintura. Geralmente, as telas passam a ser pintadas ao ar livre, para que o pintor possa capturar melhor as variações de cores da natureza.
Características
1. a pintura deve mostrar os pontos que os objetos adquirem ao refletir a luz num determinado momento, pois as cores da natureza mudam todo dia, dependendo da incidência da luz do sol;
2. é também, com isto, uma pintura instantânea (captação do momento), assemelhando-se à fotografia;
3. as figuras não devem ter contornos nítidos, pois o desenho deixa de ser o principal meio estrutural do quadro, passando a ser a mancha/cor;
4. as sombras devem ser luminosas e coloridas, tal como é a impressão visual que nos causam. O preto jamais é usado em uma obra impressionista plena;
5. os contrastes de luz e sombra devem ser obtidos de acordo com a lei das cores complementares. Assim, um amarelo próximo a um violeta produz um efeito mais real do que um claro-escuro muito utilizado pelos acadêmicos no passado. Essa orientação viria dar mais tarde origem ao ‘pontilhismo’;
6. as cores e tonalidades não devem ser obtidas pela mistura de pigmentos. Ao contrário, devem ser puras e dissociadas no quadro em pequenas pinceladas. É o observador que, ao admirar a pintura, combina as várias cores, obtendo o resultado final. A mistura deixa, portanto, de ser técnica para se tornar óptica;
7. preferência pelos pintores em representar uma natureza morta a um objeto;
8. valorização de decomposição das cores.
Entre os principais expoentes do Impressionismo estão Claude Monet, Edouard Manet, Edgar Degas, Auguste Renoir,Alfred Sisley e Camille Pissarro.
Podemos dizer ainda que Claude Monet foi um dos maiores artistas da pintura impressionista da época. Claude Monet (1840-1926) foi incessante pesquisador da luz e seus efeitos, pintou vários motivos em diversas horas do dia e em várias épocas do ano, a fim de estudar as mutações coloridas do ambiente com sua luminosidade. Monet teve catarata no fim da sua vida. A doença o atacou por causa das muitas horas com seus olhos expostos ao sol. Durante sua doença Monet não parou de pintar, usou nessa época de sua vida cores mais fortes como o vermelho-carne e vermelho goiaba, cor tijolo, entre outros, verdes, rosas, vermelhos e cores mais fortes. Em 1911, com o falecimento de Alice, sua esposa, e seu problema de visão, Monet perdeu a vontade de viver e pintar..
Os efeitos ópticos descobertos pela pesquisa fotográfica, sobre a composição de cores e a formação de imagens na retina do observador, influenciaram profundamente as técnicas de pintura dos impressionistas.
Eles não mais misturavam as tintas na tela, a fim de obter diferentes cores, mas utilizavam pinceladas de cores puras que, colocadas uma ao lado da outra, são misturadas pelos olhos do observador, durante o processo de formação da imagem.
Origens
Édouard Manet não se considerava um impressionista, mas foi em torno dele que se reuniu grande parte dos artistas que viriam a ser chamados de Impressionistas. O Impressionismo possui a característica de quebrar os laços com o passado e diversas obras de Manet são inspiradas na tradição. Suas obras, no entanto, serviram de inspiração para os novos pintores.
O termo Impressionismo surgiu devido a uma crítica feita ao quadro Claude Monet (1840-1926), Impressão - Nascer do Sol, pelo pintor e escritor Louis Leroy:
"Impressão, Nascer do Sol -eu bem o sabia! Pensava eu, se estou impressionado é porque lá há uma impressão. E que liberdade, que suavidade de pincel! Um papel de parede é mais elaborado que esta cena marinha".
A expressão foi usada originalmente de forma pejorativa, mas Monet e seus colegas adotaram o título, sabendo da revolução que estavam iniciando.
Impressionismo no Brasil
No início do século XX, Eliseu Visconti foi sem dúvida o artista que melhor representou os postulados impressionistas no Brasil. Sobre o impressionismo de Visconti, diz Flávio de Aquino: "Visconti é, para nós, o precursor da arte dos nossos dias, o nosso mais legítimo representante de uma das mais importantes etapas da pintura contemporânea: o impressionismo. Trouxe-o da França ainda quente das discussões, vivo; transformou-o, ante o motivo brasileiro, perante a cor e a atmosfera luminosa do nosso País".
Principais pintores impressionistas brasileiros: Eliseu Visconti, Almeida Júnior, Timótheo da Costa, Henrique Cavaleiro, Vicente do Rego Monteiro e Alfredo Andersen.
Escultura
Assim como a pintura, a escultura trouxe uma grande inovação na sua linguagem. Os três conceitos básicos dessa inovação foram: a fusão da luz e das sombras; a ambição de obter estátuas visíveis a partir do maior número possível de ângulos; obra inacabada, como exemplo ideal do processo criativo do artista.
Os temas da escultura impressionista, como na pintura, surgiram do ambiente cotidiano e da literatura clássica em voga na época.
SURREALISMO
O surrealismo foi um movimento artístico e literário, nascido em Paris na década de 1920, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais. Reúne artistas anteriormente ligados ao dadaísmo, ganhando dimensão mundial. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. Um dos seus objetivos foi produzir uma arte que, segundo o movimento, estava sendo destruída pelo racionalismo. O poeta e crítico André Breton (1896-1966) era o principal líder e mentor deste movimento.
A palavra Surrealismo supõe-se ter sido criada em 1917 pelo poeta Guillaume Apollinaire (1886-1918), jovem artista ligado ao cubismo, e autor da peça teatral As Mamas de Tirésias (1917), considerada uma precursora do movimento.
Um dos principais manifestos do movimento é o Manifesto Surrealista, de 1924. Além de Breton, seus representantes mais conhecidos são Antonin Artaud no teatro, Luis Buñuel no cinema, e Max Ernst, René Magritte e Salvador Dalí no campo das artes plásticas.
Visão surrealista
As características deste estilo: uma combinação do representativo, do abstrato, do irreal e do inconsciente. Entre muitas das suas metodologias estão a colagem e a escrita automática. Segundo os surrealistas, a arte deve libertar-se das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana, procurando expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos.
Mais do que um movimento estético, o surrealismo é uma maneira de enxergar o mundo, uma vanguarda artística que transcende a arte. Busca restaurar os poderes da imaginação, castrados pelos limites do utilitarismo da sociedade burguesa, e superar a contradição entre objetividade e subjetividade. Breton declara no Primeiro Manifesto sua crença na possibilidade de reduzir dois estados aparentemente tão contraditórios, sonho e realidade, “a uma espécie de realidade absoluta, de sobre-realidade (surrealité)”.
O filme Um Cão Andaluz, de Luis Buñuel, por exemplo, é formado por partes de um sonho de Salvador Dalí e outra parte do próprio diretor, sem necessariamente objetivar-se uma lógica consciente e de entendimento, mas um discurso inconsciente que procura dialogar com outras leituras da realidade.
Trajetória
Em 1929, os surrealistas publicam um segundo manifesto e editam a revista A Revolução Surrealista. Entre os artistas ligados ao grupo em épocas variadas estão os escritores franceses, Antonin Artaud (1896-1948), também dramaturgo, Paul Éluard (1895-1952), Louis Aragon (1897-1982), Jacques Prévert (1900-1977) e Benjamin Péret (1899-1959,) que viveu no Brasil, o escultor italiano Alberto Giacometti (1901-1960), o pintor italiano Vito Campanella (1932), assim como os pintores espanhóis Salvador Dali (1904-1989) e Juan Miró (1893-1983), o pintor belga René Magritte (1898-1967), o pintor alemão Max Ernst (1891-1976) e o cineasta espanhol Luis Buñuel (1900-1983).
Nos anos 30, o movimento internacionaliza-se e influencia muitas outras tendências, conquistando adeptos em países da Europa e nas Américas, tendo Breton assinado um manifesto com Leon Trotski na tentativa de criar um movimento internacional que lutava pela total liberdade na arte - FIARI: o Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente.
No Brasil, o surrealismo é uma das muitas influências assimiladas pelo modernismo.
Os artistas desse movimento se diferenciavam quanto ao estilo adotado. Enquanto as formas e linhas de Masson provinham de pincelados livres, Magrite e Dalí tinham imagens realistas criando cenas oníricas.
A obra “A persistência da memória” de Salvador Dalí é uma das mais representativas desse movimento. Os três relógios derretidos juntamente a uma espécie de auto-retrato do artista representam o Surrealismo de Dalí diante da irrelevância da passagem do tempo que dizia não perceber e que não tinha nenhum significado para ele.
Não há uma data que determine o fim do Surrealismo, pois este influencia, até o presente, artistas de todo mundo. No Brasil, é possível encontrar características do Surrealismo nas obras de Tarsila do Amaral e Ismael Nery.
Referências
LITTLE, Stephen. ...ismos: para entender a arte. São Paulo: Globo, 2011.
VERA MARTA REOLON
MTb 16.069
GUILHERME REOLON DE OLIVEIRA
MTb 15.241
terça-feira, 28 de abril de 2020
Teorias da Arte
Questão: Resuma os argumentos de C. Greenberg sobre a arte de vanguarda. Depois de apresentar os argumentos, conclua com um ponto de vista sobre a posição dele a respeito da arte de vanguarda.
Resposta:
No texto “Vanguarda e Kitsch”, Greenberg trata da disparidade existente na sociedade cultural, citando criações diversas, mas que não conversam entre si. O desenvolvimento da sociedade e sua evolução em relação à cultura histórica da humanidade fizeram com que o artista não pudesse mais prever a reação do público diante sua obra. Questões que antigamente não eram abordadas por motivos de controvérsia agora são levadas em consideração. Essa evolução também gerou o movimento de vanguarda: a arte pela arte. Este movimento se destacou em meio à sociedade e conseguiu seguir seu próprio caminho e se distanciar do público com criações de alto nível. Com o tempo foi se aperfeiçoando e querendo alcançar Deus e se desviar do que é comum – é daí que vem o abstracionismo. O autor diz que “a vanguarda é imitação do ato de imitar”, e que hoje em dia não há outro modo de se criar de outra forma, por isso esse meio é justificável. Ele diz também que as massas se mantiveram indiferentes à cultura no seu período de desenvolvimento, e por isso a vanguarda não é socialmente vantajosa. Considerando Ortega, isso é natural, já que a população precisou se identificar com a arte para gostar dela, e sendo assim não compreendida, como no caso do modernismo ou de sua evolução, não é um atraente.Onde há vanguarda há retaguarda. A arte e a literatura popular e comercial, denominadas pelos alemães como Kitsch, surgiram com a revolução industrial e a alfabetização universal da população, que agora também era capaz de produzir arte. Nasce assim a cultura de mercado, que veio para curar o tédio das pessoas. É uma arte falsa, que muda de acordo com os modismos mas sempre permanece o mesmo, exigindo nada mais do seu espectador do que tempo e dinheiro. O texto propõe que determinada sociedade vivenciando uma cultura única e em um certo momento pode produzir e se manifestar com uma diversidade de produtos, tais quais na verdade resultam em características semelhantes. Podemos dizer que um produto que surgiu hoje é imitação de outro existente.Retrata também que o movimento da vanguarda coincidiu cronologicamente com o primeiro pensamento científico arrojado na Europa, que é descrita como a boemia. Nesse conflito a vanguarda se destaca, pois consegue ignorar a política revolucionária bem como a burguesa. Nessa busca de se destacar, de ser um movimento absolutista, a vanguarda chegou à arte abstrata e à poesia. O artista se objetivava em algo único, que não simbolizasse algo, e fosse impossível de ser comparado e se comparasse a Deus. Em consequência da vanguarda, surge um novo fenômeno cultural chamado Kitsch, o qual é um produto industrial que urbanizou as massas da Europa Ocidental e das Américas e estabeleceu a alfabetização universal. Sua aplicação foi ampla, e se estendeu descontroladamente. Afetou outras culturas e as descaracterizou, tendo influência dominante. É dito como um fenômeno lucrativo e novo, e indubitavelmente a melhor opção de artistas no desenvolvimento de seus feitos.
Em "Vanguarda e kitsch" são apresentados dois estilos de manifestações culturais. Durante essa apresentação, o autor vai levantando alguns assuntos interessantes. Uma questão que está presente em várias partes do texto é para quem a arte é feita, quem é o seu público e quem paga por ela. Ele ressalta a necessidade de se criar uma cultura voltada para a nova massa urbana, formada pelo proletariado e pequeno burguês, e o grande lucro que essa cultura gera.
É interessante perceber que isso está muito presente na nossa sociedade ainda hoje. A forma como o gosto popular movimenta vários artistas (que para algumas pessoas nem são considerados artistas) a criar arte para esse público. Mesmo com a crítica ao kitsch presente em grande parte do texto, Greenberg assume que a própria vanguarda acaba sucumbindo ao “brega”. Isso torna evidente a força que essa arte "barata" ganhou. , o kitsch é instantâneo, mais intuitivo, enquanto que, para admirar uma obra de Picasso, da vanguarda, é preciso uma reflexão mais profunda. A vanguarda pode ser para os cultos e a minoria poderosa, contudo, o que permaneceu foi o kitsch , não se sabe se por mérito próprio (por ser mais acessível, menos reflexiva, não imitar uma arte já vivida) ou pelo declínio da vanguarda.
O texto sobre a Vanguarda e Kitsch nos mostra a diferença entre a arte feita para a massa e a arte feita para um público preparado para receber uma arte. Perceba que ambas as artes feitas para esses dois grupos tão destoantes são feitas pela mesma classe de artistas. Porém a vanguarda foi feita para um seleto grupo (em menor quantidade) que recebe a arte e a analisa, a digere, para formar uma opinião sobre esta.
Para Belting o que faz a arte “atualizar-se” são os movimentos de vanguarda, que lançariam um diferencial ao “status quo” e encaminha os movimentos artísticos a uma maior “perfeição”.
Acredito que a descrição analítica de Greemberg apesar de ter sido em outra época é bastante eficaz para observação da situação artística atual e para uma formalização da arte (como aliás, ele pretendia), não como uma arte acadêmica, restrita ao mundo acadêmico, mas como um referencial na avaliação e interpretação da arte. É interessante pensar e aprofundar nas reflexões sobre este debate crítico, pois nos fazem repensar ainda mais sobre “o que representa qualidade?” “O que é a arte complexa hoje em dia e o que ela nos transmite?” Enfim, são muitas incógnitas importantes que surgem e nos ajudam cada vez mais no entendimento de arte.
VERA MARTA REOLON
MTb 16.069
Vera Marta Reolon[1]
Sentir-se vivo, manancial humano
ao toque de outro ser humano
que não teme explorar a áspera profundeza
J.S.Martins
Espero o dia em que serei juiz de mim mesmo e saberei se tenho a virtude sobre os lábios e no coração
(SÊNECA, carta 26, apud FOUCAULT, 1997, p.134).
Sua descrição é modulada e equilibrada artisticamente. Isso se chama ESTILO. Isso é ARTE. Isso é a única coisa que interessa nos livros.
(NABOKOV sobre FLAUBERT).
A essência da dança não é o movimento, mas o TEMPO. “Fantasmas” vigem entre o movimento e o seu cessar. Este não-movimento que é movimento é que é essencial à dança. Aquilo que a torna intocável, o que ela é e não é (sendo!), o pleno do ser e o vazio do ser, potência e impotência, ato e não ato.
O que é isso? Que tipo de vazio é? É vazio? De que tempo se fala? O tempo relógio? O tempo marcado, o tempo medido? Se não, que tipo de tempo é?
Qual a essência da música? Música é essencial à Dança?
Dança é arte? – Parece não haver dúvidas com relação a esta premissa básica, mas porque razão as escolas não consideram a dança como parte de um grande processo educativo, que vise a uma educação ampla?
Como implementar uma nova formulação em dança na Academia (a de Platão – sinônimo de Universidade, nos dias de hoje) que vise profissionais professores, licenciandos marcados com a arte da dança, mas a arte de ENSINAR DANÇA?
Como seria ensinar dança e aprender mais sobre a ARTE da dança?
Como ver a dança – arte e aprofundar seus conceitos e elementos?
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A partir da LDB 9694/96, as aulas de Educação Artística deveriam trazer a arte-linguagem-dança para seus currículos, alunos e professores como agentes de suas próprias práticas, através de Projetos Interdisciplinares via Tema Gerador.
Isto basta para ver a dança como uma arte importante nos processos de aprendizagem? Digo que ela, a dança, seja “inserida” nas escolas via tema gerador e, especificamente, como LEI, para que ela seja absorvida pela população escolar como ARTE? Como arte necessária?
A dança como um tema transversal e não como um campo de importância fundamental no desenvolvimento de processos cognitivos superiores de movimento, equilíbrio, técnica, desenvoltura, postura, trabalho do corpo – não apenas nos movimentos contemporâneos de uma busca de corpos perfeitos, mas em uma busca de saúde global, à semelhança do mundo grego em que a ética no viver não se desvinculava da estética, dos cuidados da saúde corporal, do bem viver, da arte no e do viver.
Ter um professor em Dança, em Licenciatura em Dança (que é muito diferente, ser um professor de dança e um professor de licenciandos em dança!) que tenha conhecimentos interdisciplinares, das diversas subjetividades e necessidades de estudo de abordagens dessas subjetividades é primordial para atingir objetivos que todos nós criticamos quando falamos da arte da dança, da arte da dança como necessidade de conhecimento em arte, em estética, desde a escola, não apenas como mero auxiliar nas diferentes educações artísticas, mas como desenvolvimento de habilidades superiores, inclusive de avaliações culturais e sobre a cultura, de desenvolvimento de uma cultura dita ampla, que não se detenha em fragmentos, mas vá em direção de uma EDUCAÇÃO, em seu mais amplo sentido.
Abordar e ampliar as noções do CUIDADO DE SI, como conhecimento de si, como busca de uma cultura ampla, de educação, de saúde, de arte de si, parece ser primordial para atingir o que os gregos acreditavam ser a ÉTICA, centro de ethos existencial.
Implementar estas ideias nos aprendizados em dança, na formação de licenciandos engajados em um novo olhar sobre a vida, sobre a arte, sobre o viver com arte, me parece fundamental para que a relevância da dança na escola ganhe ares de uma verdadeira interdisciplinaridade, quiçá transdisciplinaridade. Discorrer sobre a diferença de ambos os conceitos também parece importante para a Academia do hoje!.
Os estudos do movimento, o mover-se e o seu cessar (que também é movimento) estão intimamente ligados a todo um fazer em dança, quando não são o próprio dançar. Que o digam todos os grandes coreógrafos em dança moderna e contemporânea, Isadora Duncan, Marta Graham, Merce Cunninghan, Pina Bausch, entre outros. Mas não só os de Dança Moderna e Contemporânea, mas todos os bailarinos.
Os estudos do movimento requerem um “observador” atrelado a saberes múltiplos, que implicam conhecimentos em física, matemática, corpo, biologia, inconsciente, história, sociologia, filosofia, psicanálise, saberes que nem sempre estão envolvidos em um mesmo fragmento de escola, em um mesmo fragmento e segmento dentro da academia. Inclui passagens, caminhos que já foram e devem ser traçados por observador interessado em movimentos inter e transdisciplinares.
É relevante e justificado que se avance em direção a novos estudos em dança, uma arte milenar, mas ainda envolvida em véus de ignorância quanto a seus pressupostos.
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A psicanálise, como teoria interpretativa da realidade, serve para analisar os fenômenos, no campo individual, através das manifestações do inconsciente, presentes na linguagem dos diversos sujeitos, nos chistes, na interpretação dos sonhos, etc. Pode, entretanto, interpretar os fenômenos sociais, através da análise das manifestações da sociedade, das organizações e instituições, dos grupos sociais. Aliando-se a filosofia, essencial para seu desenvolvimento deste o início, a psicanálise, além de realizar interpretações, reflete sobre os fatos, utilizando-se das teorias dos grandes pensadores.
Partindo-se, assim, da escrita desconstrutiva de Derrida, o discurso psicanalítico é o que pode dar conta das questões contemporâneas: “Se há um discurso que poderia, hoje em dia, reinvindicar a causa da crueldade psíquica como assunto próprio, este é o que se chama, de mais ou menos um século para cá, psicanálise” (DERRIDA, 2001, p.8-9).
Lanço uma hipótese de que os processos educativos é que podem propiciar uma resposta às grandes questões contemporâneas. Pode a educação fazer frente a essas questões? Pode ela isentar-se disso? Como educar sem fazer essa passagem?
Nunca, em nenhuma outra época de nossa história, esteve o homem tão só em meio à multidão. Os ideais que o sustentavam caíram, a felicidade não depende mais da harmonia de vínculos sociais, mas de objetos adquiridos e ofertados incessantemente pela mídia e os instrumentos gerais do marketing. Há uma oferta de gozo total. A foraclusão da Lei da vida é paga com dízimos. O sujeito é transformado, através do seu assassinato, em objeto submisso do gozo do Outro. Não há nada mais psicotizante do que isso. Nas doenças da modernidade, anorexia, bulimia, toxicomanias, o que se tem são sombras que o mundo das luzes não ilumina. A modernidade nos oferece um mundo iluminado pelos outdoors plenos de ofertas, luzes de néon, que não chegam a iluminar a necessária busca do homem e de si mesmo. Nosso eu, quem sou, para onde vou, o que desejo (?), não há resposta. A oferta que temos é de pulsão de morte em todo tempo. O mercado demanda ofertas onde o consumidor precisa e não vive sem a mercadoria. Este é o modelo de paradigma que abarca as toxicomanias, é causa e consequência delas. O que vem antes, um mundo que facilita as toxicomanias, ou elas originam o mundo? Não sabemos, devemos pensar sobre isso. As doenças modernas remetem à morte do sujeito, uma segunda morte que vem antes da primeira (interrupção da vida), pois esta segunda é a morte do sujeito no Simbólico.
Michel Foucault em seus seminários sobre o Governo de Si e dos Outros e sobre a Hermenêutica do Sujeito aborda e discorre sobre o cuidado de si, como uma questão ampla de uma busca de saúde que vai de encontro com o conhecimento de si, com o saber de seu corpo, com o saber de suas necessidades, de seus desejos, com vistas a uma ampla busca de felicidade, não mais como uma busca utópica, subjetiva, inalcançável (talvez como ideal demais!) mas, através desse conhecimento de si, uma felicidade possível, palpável, vivenciável: “A filosofia está assimilada ao cuidado com a alma (o termo é precisamente médico: hugiainein), e esse cuidado é uma tarefa que deve ser seguida ao longo de toda a vida”. (FOUCAULT, 1997, p.120).
Hermenêutica de si => epimeléia heautou (grego) – cura sui (latim) – princípio de ocupar-se de si => cuidar de si mesmo => conhecer a si mesmo => obscurecido pelo brilho do Gnôthi seauton. (FOUCAULT, 1997,p.119)
A psicanálise, especialmente a lacaneana, quando aborda a Lógica do Fantasma, conceito importante que estabelece a diferença entre fantasia – de cunho vinculado à neurose, estruturalmente falando – como sintoma, ou melhor apresentação, forma de manifestação do sintoma da neurose, diferente da forma de manifestação da perversão, inclusive presente na máxima “lá onde o neurótico fantasia, o perverso faz”; e fantasma (“fantôme”), marca, identificação na subjetividade de cada sujeito, ao imaginário do Outro (“sua” Mãe!), que de imaginário do Outro fica como marca Real na estrutura subjetiva do ser falante.
Como, depois disso, definiremos realidade ao que chamei a pouco o pronto para carregar o fantasma, isto é, o que faz seu quadro e veremos então que a realidade, toda a realidade humana, não é nada mais que montagem do Simbólico e do Imaginário – que o desejo, no centro desse aparelho, desse quadro que chamamos realidade, é também, para falar propriamente, o que ocorre, como eu o articulei desde sempre, o que importa distinguir da realidade humana e que é para falar propriamente o Real, que não é nunca senão entrevisto; entrevisto quando a máscara, que é aquela do fantasma, vacila. A saber, a mesma coisa que o que Spinoza apreendeu, quando ele disse: “o desejo é a essência do homem” (LACAN, 2008, p.19)
Porquê a obra de arte tem a ver com elementos socio-culturais?: “A obra de arte encerra elementos históricos e sociais que a estética tem a tarefa de explicitar. A obra não somente “julga” a sua maneira a história e a sociedade, mas ela própria é candidata, à apreciação e à avaliação do público”. (JIMENEZ, 1999, p.374).
Segundo Walter Benjamim, a aura é um veículo de desaceleração que parece diluir-se ou ser incompatível com as experiências de “choque da modernidade” e com os sonhos de consumo imediato do capitalismo. A arte, para Benjamim, ela o é através de sua “Aura”, do que a define como arte, daquilo que faz a diferença entre um objeto comum e o que o institui como obra de arte.
Segundo Deleuze, o acontecimento não é o que acontece (acidente), ele é NO que acontece, o puro expresso que nos dá sinal e nos espera. O acontecimento não mostra como se forma o sentido, mas como ele deriva de um estado de coisas. O acontecimento é o próprio sentido, sentido produzido. O acontecimento instala-se diretamente no tempo. Para Deleuze o nonsense não é o sem sentido, mas onde está o total do ser, sua potência, ou seja, onde o SENTIDO é MÀXIMO.
Parar => possibilidade de ato que critica a ação. Ato parado, ato de resistência.
Agambem faz relações entre tempo e imagem. Agambem discorre em seu texto sobre a questão do tempo e do fantasmata em dança.
Aristóteles afirma sobre a dignidade da dança => Dança é tanto intelectual, quanto prática. Arte composta de seis elementos: medida, memória, agilidade, maneira, medida do terreno e “fantasmata”. “Somente os seres que percebem o tempo recordam, e com a mesma faculdade da imaginação...” Domenico De Piacenza retoma de Aristóteles o conceito do movimento em dança:
“danzare per fantasmata” => muitas coisas que não se podem dizer.
Fantasmata => presteza corporal – impedimento improvisado – demora entre dois movimentos. Dele surge a imagem como um cabelo de Medusa, que se move e que não podemos olhar.
↓
Daí surgiria a tensão interna entre a medida e memória na série completa da coreografia.
Este não movimento que é o movimento é o que me parece ser essencial à dança. Aquilo que a torna intocável.
É ao fantasma que se chega ao tocar essências: “A dança é esta arte que, ao tocar na essência do movimento cessa de ter sentido e só se recupera no ato parado, na PARAGEM” (TIBURI; ROCHA, 2012, p.96-97).
Relações espaço-temporais contidas nas danças tradicionais e nas produções artísticas estão diretamente relacionadas à pluralidade cultural, pois expressam e comunicam conceitos e vivências de diferentes épocas e espaços geográficos.
Quem pode dançar? Quem pode dançar o quê? Quais os diferentes conceitos de corpo?
Um professor pode enfatizar os corpos que dançam e os corpos NA dança.
Aprender dança significa incorporar valores e atitudes. Como a dança pode, e pode!, alterar todo um estado de violência que vige no social, através de vivências e aprendizados de e na arte.
SER UM PROFESSOR DE DANÇA É MAIS DO QUE SER UM BAILARINO, É SER ALGUÉM QUE COMPREENDE O MOVIMENTO EM DANÇA! E O TRANSMITE.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. 3ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1985.
BENJAMIN, Walter. Estética Y Política. Buenos Aires: Las Cuarenta, 2009.
DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia. Lisboa: Assírio e Alvim, 1966.
DERRIDA, Jacques. Estados-da-alma da psicanálise. São Paulo: Escuta, 2001.
FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do College de France. Rio de Janeiro, Zahar, 1997.
JIMENEZ, Marc. O que é Estética?. São Leopoldo:Unisinos, 1999.
LACAN, Jacques. O seminário: a lógica do fantasma (1966-1967). Recife: Centro de estudos freudianos do Recife, 2008.
REOLON, Vera Marta. mulheres para um homem... para O Homem, A Mulher. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
TIBURI, Márcia; ROCHA, Thereza. Diálogo: Dança. São Paulo: SENAC, 2012.
[1] Jornalista (Mtb 16.069), psicóloga (CRP 07/7654) e psicanalista lacaniana. Co-editora dos blogs Folha das Artes e Mondo dela Arte, especializados em crítica de arte e pesquisa em (est)ética. Docente do Departamento de Estudos Básicos (Faced/UFRGS). Bacharel em Ciências Contábeis (UCS), Graduada em Psicologia – Formação de Psicólogo (UCS), Mestre em Letras e Cultura Regional (UCS), Doutora em Filosofia (PUC-RS), Doutora em Educação (UFRGS), Pós-doutora em Estética e Filosofia da Arte. Autora de “mulheres para um homem... para O Homem, A Mulher” (Edipucrs, 2008).
Domingo, 24 de setembro, de 2017
Uma pluralidade de facetas
Guilherme Reolon de Oliveira[1]
Observa-se um certo aumento do ensino da dança em Porto Alegre e no estado, em geral, especialmente o ensino dito formal e, mais especificamente, no ensino superior. A dança, assim, mostra-se como importante área do conhecimento, já que dela há cursos não só de bacharelado, mas de licenciatura e mesmo tecnólogo. Parece importante elucida-la, uma vez que, mesmo acadêmicos, parecem confundir-se quanto às suas abordagens. Cada abordagem se diferencia em seus fundamentos, ainda que, epistemologicamente, a área seja una e seus objetos tão diversos: danças urbanas, dança clássica, moderna e contemporânea, dança de salão, sapateado, etc. Nesse sentido, a técnica é ensinada e propagada de inúmeras formas, por meio de diferentes métodos. Mas a experiência estética advinda de sua apreciação parece sempre relegada a segundo plano. E, com isso, a formação de público em dança parece sempre um problema impossível de ser resolvido.
A dança precisa urgentemente ser pensada como área do conhecimento, em suas múltiplas facetas, lembrando sempre que é uma arte e advinda do campo da estética. Assim, quando se aborda dança por meio de um curso de licenciatura, o enfoque pode ser o formativo, ou, em outros termos, o de produção do gosto, que só acontece pela experiência estética, alicerçada em teoria, e o de consciência corporal, em abordagem diferenciada da educação física, que só acontece pela prática do conhecer a si mesmo.
Tal enfoque, nesse sentido, se diferencia de um curso de bacharelado, que se alicerça na pesquisa, mais teórica que prática, baseada em abordagens multi e interdisciplinares, e fundamentada na filosofia da dança e nas teorias estéticas. Tratamento quase oposto ao do curso de tecnólogo na área, inserido no terreno da prática e, esse sim, com foco na produção coreográfica, nos usos diversos da arte cênica, com foco na dança como produto ou obra artística, fruto de trabalho de criação conjunto, no que concerna à partitura de movimentos , figurino, cenário, elementos cênicos, iluminação, música subjacente (ou música-tema), dentre outros. Quando se menciona a música, isso não acontece à toa: observa-se bailarinos que também a ignoram ou a enxergam como dispensável, dando visibilidade apenas ao movimento em si, embora o casamento com outras artes deixe a dança ainda mais interessante.
Independentemente do tipo de formação na área, é certo que a dança como área de conhecimentos pode ser pensada tanto em seus aspectos artísticos, como educativos, psicológicos ou físicos. No campo da arte, a dança pode ser tanto arte cênica (como na maioria das vezes é tratada), como arte visual (dada a sua poeticidade plástica e imagética, imune à narratividade e, por vezes, ao sentido). Talvez, aqui, também caiba uma diferenciação em relação à performance que, penso, deva ser tratada em sua especificidade e, como tal, ganhar visibilidade. Ainda, no campo artístico e, principalmente, na estética, a dança pode ser abordada em quatro frentes da crítica: na descrição (o que é visto e apresentado), na interpretação (o que dela deriva), na avaliação (que juízos são possíveis – e suas reverberações no campo da ação humana) e na contextualização (genealogia da criação).
Em sua pluralidade de facetas, a dança se configura, como já demonstrei em estudo anterior[2], como originário e grau zero da arte, já que, dela, Sentido e Presença se mesclam como matrizes que reverberam em diversas linguagens ou aportes artísticos.
[1] Jornalista (Mtb 15.241), sociólogo (Mtb 1.127), filósofo e crítico de dança. Co-editor dos blogs Folha das Artes e Mondo dela Arte, especializados em crítica e pesquisa em (est)ética. Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (UCS), Bacharel em Ciências Sociais (UFRGS), Bacharel em Filosofia (UFRGS/UCS), Mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS) e Doutorando em História, Teoria e Crítica de Arte (PPGAV/IA/UFRGS). .
[2] “Arte pós-nonsense: do abismo entre a negação (hybris) e o grau zero (hybrida) de Sentido e Presença – ou da dança como gênese do Ser da Arte“, no prelo.
Vera Marta Reolon
Todos os autores que nos propusermos a estudar em literatura concordam que o prazer com a literatura deve ser “sentido”, o prazer de ler está presente em todo e qualquer leitor que se propõe a ler uma obra “apenas para ler e sentir”. O que aqui é pensado é o “a mais” que podemos extrair da literatura que, para Antônio Cândido, uma obra deve ser avaliada por sua integridade estética, mas também deve-se distinguir sua função total, social e ideológica. Devemos, ao ler uma obra, observar a universalização de seu conteúdo, a ideologia que perpassa a obra, as relações sociais contidas no texto, para aquele grupo. O ideal para compreender uma obra seria a união dos planos estético, simbólico-descritivo e sociológico, levando em conta o quadro sócio-cultural em que essas manifestações literárias se situam, mas procurando captá-las na integridade de seu significado. O poeta narra uma experiência pessoal que adquire sentido genérico à medida que ele passa da emoção a uma concepção de vida a universalização.
Já Bakhtin nos oferece o estudo da polifonia existente na obra: vozes plenivalentes (plenas de valor) que mantêm com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade como participantes do grande diálogo. As obras podem apresentar uma representação de consciências independentes, que dialogam entre si, interagem, mantendo-se imiscíveis, enquanto consciências individuais que não se objetivam. Avalia também a carnavalização na obra: o mundo não é representado, é vivido e mais que tudo subvertido, as leis são desviadas de sua ordem natural.
A literatura e a história são “companheiras” na análise do mundo em que vivemos. Vivemos novas ordens para conceber a história. Fato histórico o é quando passa pelo registro do discurso. A história assim passa a se ater também ao imaginário. A literatura é uma manifestação cultural, entre outras manifestações culturais que retratam o passado. A literatura lê aquém e além dos historiadores.
Os estudiosos dos gêneros de fronteiras, pensam que se constitui linha tênue a separar história de ficção, a leitura depende do receptor. Depende do receptor um texto ser mais histórico ou não. Quanto mais próxima a ambientação da história da vida do escritor, mais o leitor verá a obra como histórica. Nesta óptica, o romance histórico pode:
- tentar reconstituir o passado
- subverter a história
- apresentar acontecimentos que estão se dando
A teoria de Bakhtin –uma teoria revolucionária: os personagens de Dostoievski revelam uma notória independência interior em relação ao autor na estrutura do romance, que permite, em certos momentos, até rebelar-se contra seu criador. A representação destes personagens é, sobretudo, uma representação de consciências, de uma interação de consciências, consciências isônomas e plenivalentes, que dialogam entre si, interagem, preenchem com suas vozes as lacunas e evasivas deixadas por seus interlocutores, mantêm-se imiscíveis, enquanto consciências individuais que não se objetivam.
Sobre a visão polifônica: Para ele a polifonia é o discurso do diálogo inacabado; não é possível dizer tudo sobre uma época por mais que dela se saiba.
Sobre a visão e concepção filosófica: “...no mundo ainda não ocorreu nada definitivo, a última palavra do mundo e sobre o mundo ainda não foi pronunciada, o mundo é aberto e livre, tudo ainda está por vir e sempre estará por vir...”
Dostoievski criou um tipo inteiramente novo de pensamento artístico, a que chamamos convencionalmente de tipo polifônico.
O Romance polifônico de Dostoievski e seu enfoque na crítica literária: aqui Bakhtin parte do trabalho de diversos estudiosos de Dostoievski e busca compreendê-los e criticá-los. Para uns pesquisadores, a voz de Dostoiervski se confunde com a voz desses e daqueles heróis, para outros, é uma síntese peculiar de todas essas vozes ideológicas, para terceiros, aquela é simplesmente abafada por estas.
“A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes (plenas de valor, que mantêm com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade como participantes do grande diálogo) constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoievski.”
“a multiplicidade de consciências eqüipolentes (consciências e vozes que participam do diálogo com as outras vozes em pé de absoluta igualdade; não se objetivam, isto é, não perdem o seu SER enquanto vozes e consciências autônomas) e seus mundos que aqui se combinam numa unidade de acontecimento, mantendo a sua imiscibilidade”.
A consciência do herói é dada como a outra, a consciência do outro, mas ao mesmo tempo não se objetiva, não se fecha, não se torna mero objeto da consciência do autor.
A voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra comum do autor; não está subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas características, mas tampouco serve de intérprete da voz do autor.
O Romance polifônico por Dostoievski criado não teve precursores.
Vyatcheslav Ivánov: define o realismo dostoievskiano como o realismo que não se baseia no conhecimento (objetivado) mas na penetração. Ivánov mostra uma interpretação puramente temática e negativa...-> a afirmação (e não-afirmação) do “eu” do outro pelo herói é o tema das obras de Dostoievski.
Askóldov: “o crime nos romances dostoievskianos é uma colocação vital do problema ético-religioso. O castigo é uma forma de sua solução, daí ambos representarem o tema fundamental da obra de Dostoievski.” -> Askóldov “monologa” o mundo artístico de Dostoievski., transfere o dominante desse mundo a uma pregação monológica e com isto reduz as personagens a simples ilustrações dessa pregação.
Para Grossman, Dostoievski coaduna os contrários.
Bakhtin: o problema gira em torno da última dialogicidade (ciência do diálogo), como o todo da interação entre várias consciências dentre as quais nenhuma se converteu definitivamente em objeto da outra.
Kaus: Dostoievski é multifacético e imprevisível em todos os movimentos do seu pensamento artístico, suas obras são saturadas de forças e intenções que, pareceria, são separadas por abismos intransponíveis.Para Kaus, o mundo de Dostoievski é a expressão mais pura e mais autêntica do espírito do capitalismo. => As explicações de Kaus são corretas em muitos sentidos. O romance polifônico só pode realizar-se na época capitalista.
Bakhtin ainda observa e critica os trabalhos de V. Komaróvitch, Engelgardt, V. Kirpótin..
“Dostoievski via e pensava seu mundo predominantemente no espaço e não no tempo” (coexistência e interação). “Seu herói é o homem... o homem no homem..” “...para Dostoievski tudo na vida é diálogo, ou seja, contraposição dialógica..”
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski.
DOSTOIEVSKI, Fiódor. Diversas.
Guilherme Reolon de Oliveira
O teatro Champs-Élysées, em Paris, foi inaugurado em 1913. Sua arquitetura, considerada moderna demais, chocou os parisienses da época. Mas o maior escândalo que o Champs-Elysees viveu ainda estava por vir, com a estréia, em 29 de maio de 1913, do ballet A Sagração da Primavera, que tinha como sub-título Quadros da Rússia pagã em duas partes. A programação da noite começou com Les Sylphides, um balé baseado na música de Chopin, seguido de A Sagração da Primavera.
Em uma noite anormalmente quente, a alta sociedade parisiense se reunia para prestigiar o mais novo espetáculo da companhia de Ballet Russo, liderada pelo empresário Sergei Diaghilev. Este não só esperava certo estranhamento do público, como havia se prevenido de infortúnios, contratando cerca de vinte estudantes para aplaudir o espetáculo durante sua apresentação. Mas ninguém, nem mesmo Diaghilev, esperava o célebre escândalo que se tornou a noite de estréia.
A Sagração da Primavera foi composta, musicalmente, por Igor Stravinsky, e demorou cerca de 30 anos para ficar pronta. A obra, hoje considerada uma das mais influentes músicas do início do período moderno, era por si só motivo de comoção, com forte influência folclórica. Ainda que o próprio compositor tenha inicialmente negado a obra para o ballet, a Sagração pode ser entendida como uma composição completa, dada as suas dissonâncias e contraposições, indo da mais alta agressividade dissonante a trechos melodiosos e calmos.
Mesmo Diaghilev, patrocinador da polêmica, estranhou a música ao ouvi-la pela primeira vez: “Vai continuar assim por muito tempo?”, perguntou após escutar os primeiros acordes da segunda seção, intitulada “Augúrios primaveris”. Ao que Stravinsky respondeu: “Até o fim meu caro”.
A polêmica da obra, entretanto, também se estende ao seu enredo, que conta a história de um ritual tribal: uma jovem virgem deveria ser sacrificada, como oferenda ao deus da primavera, para que, na primavera que se iniciasse, as terras se tornassem férteis.
Não foi fácil para Nijinsky, um bailarino que iniciava sua carreira como coreógrafo, lidar com o compositor e sua obra. Em nota de seus diários, ele conta que, enquanto Stravinsky insistia em lhe ensinar teoria musical, o que ele queria saber eram as inspirações do compositor para sua criação. Igualmente difícil foi acertar a marcação do ballet, uma vez que quase toda música estava fora do tradicional compasso para espetáculos desse gênero de dança.
Nijinsky concebeu um estilo de dança completamente original para o balé, que enfatizava movimentos staccato de terra com os pés voltados para dentro. Foi uma mudança radical do balé como era conhecido na época. Nijinsky experimentou problemas consideráveis em transmitir suas idéias para seus colaboradores e em ensinar os passos para os dançarinos. Stravinsky escreveria mais tarde em sua autobiografia sobre o processo de trabalho com Nijinsky na coreografia, afirmando que "o pobre rapaz não sabia nada de música" e que Nijinsky "tinha sido confrontado com uma tarefa além de sua capacidade".
Essa frustração foi retribuída por Nijinsky em relação à atitude paternalista de Stravinsky: "tanto tempo é desperdiçado quando Stravinsky pensa que ele é o único que sabe alguma coisa sobre música. Quando trabalha comigo, ele explica o valor das notas pretas, das brancas, e afins como se eu nunca tivesse estudado música [...] Eu queria que ele falasse mais sobre a sua música de Sacre, e não que me desse uma palestra sobre a teoria musical”.
Ao final, a coreografia de Nijinsky foi considerada uma antítese do ballet moderno. Neste último, os bailarinos permanecem em posições de corpos mais alongados e realizam movimentos suaves. Na Sagração, por sua vez, vê-se corpos contorcidos, movimentos frenéticos e muita tremedeira. Sem sequer uma meia ponta, os dançarinos impunham força em suas pisadas, e erguiam as mãos com os punhos fechados, numa brutalidade inesperada até então. Nesses movimentos, considerados anárquicos, Nijinsky capturou a essência da obra: todo o pavor da morte pelas virgens é exteriorizado nos movimentos tremidos e encolhidos da dança. Ao se assistir o espetáculo, não há dúvidas: estamos diante de um sacrifício tribal, com direito a um beijo de um ancião no solo, simbolizando a terra sagrada, e a uma morte frenética da virgem que dança o pavor e a convulsão de seu sacrifício.
É sabido que todo o conjunto da obra foi composto para chocar, afinal, também os figurinos e o cenário eram distintos do habitual. Segundo Diaghilev, o novo espetáculo seria “um frisson que sem dúvida inspirará debates acalorados”. E de fato foi. A Sagração é dividida em duas partes com as seguintes cenas:
Primeira parte: Adoração da Terra
Introdução.
Os Augures Primaveris: Dança dos Adolescentes
Jogo do Rapto
Círculos Primaveris
Jogos das Cidades Rivais
Procissão do Sábio
Adoração da Terra (O Sábio)
Dança da Terra
Segunda Parte: O Sacrifício
Introdução
Círculos Misteriosos das Adolescentes
Glorificação da Eleita
Evocação dos Ancestrais
Ação Ritual dos Ancestrais
Dança Sagrada (A Eleita)
No início do espetáculo, ouve-se o solo de fagote hiper agudo. Porém, para o espanto do público, a cortina não se abre. Aos poucos, na sua primeira apresentação, o silêncio da platéia foi dando lugar a risos e burburinhos, motivados pela crescente dissonância da música. Quando finalmente se inicia a dança, o que aparece são corpos contorcidos, com roupas de inspiração eslava, e um grande painel no lugar de um cenário, o que chocou, como nunca, o público parisiense. Dividido, parte do público vaiava, enquanto outra parte aplaudia. Urros de desaprovação eram respondidos com ofensas.
Enquanto isso, nas coxias, Nijinsky, de pé em uma cadeira, gritava para seus bailarinos o compasso, já que era impossível ouvir o som da orquestra. Contam os anais da história que a exaltação era tanta que o coreógrafo quase caiu, sendo salvo por Stravinky, que o segurou pela cauda do fraque. Lá pelas tantas, as luzes do teatro tiveram que ser acesas, e a policia foi acionada para conter o estágio de histeria coletiva que tomou conta do Champs-Élyseés. O balé de Nijinsky não foi realizado novamente e sua coreografia desapareceu até ser reconstruída na década de 1980.
Cabe destacar que a execução da obra dura cerca de 33 minutos. Enquanto o título russo, literalmente, significa "fonte sagrada", o título inglês é baseado no título francês sob o qual a obra estreou, embora sacre seja mais precisamente traduzida como "consagração".
As versões divergem sobre a origem do conceito de A Sagração da Primavera. Já velho, Stravinsky disse que a concepção veio até ele em um sonho. Mas fontes da época sustentam que a idéia surgiu com o filósofo e pintor russo Nicholas Roerich. Roerich compartilhou sua idéia com Stravinsky em 1910.
Juntos, Roerich e Stravinsky elaboraram um cenário de danças pagãs na Rússia pré-cristã. Roerich retratou a partir de cenas de ritos históricos para inspiração e usou uma pesquisa da cultura russa para criar os cenários e figurinos para completar a imagem do paganismo russo.
Em nota enviada ao condutor Serge Koussevitzky em Fevereiro de 1914, Stravinsky descreveu A Sagração da Primavera como "um trabalho musical coreografado, [representando] a Rússia pagã, [...] unificada por uma idéia única: o mistério e a grandeza do surgimento do poder criativo da Primavera". Em sua analise da Sagração, Pieter van den Toorn escreve que o trabalho carece de sinopse especifica e narrativa, e deve ser considerado como uma sucessão de cenas coreografada apenas.
Alguns estudiosos têm questionado a tradicional crença, que extensamente aponta que o tumulto foi causado pela música, ao invés da coreografia e /ou das circunstâncias sociais e políticas. O estudioso de Stravinsky, Richard Taruskin, escreveu um artigo chamado de Um mito do século XX, em português, no qual ele tenta demonstrar que a história tradicional que aponta que a música foi a provocadora da agitação foi em grande parte inventada pelo próprio Stravinsky em 1920: “Em 1913, [a música] não era o objeto principal de atenção. A leitura mais superficial das análises de Paris sobre a produção original, convenientemente coletadas em uma dissertação de Truman Bullard, revela que a hoje esquecida coreografia de Nijinsky, muito mais do que a música de Stravinsky, foi o que fomentou a famosa ‘revolta’ na estréia. Muitas das análises citam Stravinsky apenas como compositor. E, como a maioria das lembranças da estréia [...] isso eu concordo, a maior parte da música não foi ouvida”, escreveu o intelectual.
Domingo, 06 de agosto de 2017
QUANDO A ROUPA É O SEXO
Guilherme Reolon de Oliveira
Pensar o século XIX é pensar a disseminação do que se convencionou chamar “moda”. Tal reflexão é possível pela leitura de “Moda e arte na reinvenção do corpo feminino do século XIX”, de Maria Alice Ximenes, e pela análise do filme “A época da inocência”, dirigido por Martin Scorcese. Fica claro, a partir das obras citadas, que a moda opera num tripé composto pelas facetas social, psicológica e estética. Neste sentido, a vestimenta pode oferecer pistas identificatórias e, portanto, diferenciadoras, de status social, ideologia daquele que a porta e ênfase no que aparenta – ou no que deseja aparentar (aqui o aparentar estando muito próximo, senão colado, à noção de ser). Ser mulher e ser homem é, no século XIX (pode-se dizer, culminando neste século, como ápice), vestir-se mulher e vestir-se homem.
O século XIX é considerado o século da infidelidade, porque o tempo livre da burguesia é tempo para idealizar o decoro, também negando-o, sob a sua forma contrária. A roupa, figurando como parte essencial do processo civilizatório, neste sentido, é vitrine de poder e riqueza, mas também de demonstração e exposição daquilo que se é e se quer ser. Assim, o sexo a que se pertence socialmente será imediatamente identificado à vestimenta que se possui. O homem é identificado pelo espírito e pela energia; a mulher, pela sexualidade e pelo seu corpo. O homem é público; a mulher, privado. Logo, o homem deve vestir tecidos e cortes que permitam o ir e vir. A mulher, entretanto, dependente do homem, e colocada numa posição entre o anjo e a criança, frágil e sem condições de ser (apenas completar, suplementar um ser), é condenada à vida ociosa e, sem mobilidade, pode vestir roupas que a prendam, transformando-se em objeto a ser apreciado e, assim, mostrado, exibido, como (mais um) falo do homem que ela acompanha. A personagem da Michele Pfeifer, num contrapeso a esta visão, é reconhecida como marginal à sociedade que a cerca, e isso fica claro pela sua afirmação, pela qual constata porque é “mal-vista” pelos demais: “Talvez eu tenha sido independente demais”.
As boas maneiras, no século XIX, devem ser exteriorizadas pela aparência: parecer é ser. A família, assim, não é apenas patrimônio, inclusive monetário, mas principalmente capital simbólico. Este capital, por sua vez, para a condição feminina, mantém características do ambiente privado, reproduzido, quando no público, nos camarotes de teatros: fechado, frívolo e – simbolicamente – burro e alienado. As boas maneiras, assim, se convertem em ações como bordar, tocar piano, cantar e ser paciente.
Qualquer manifestação de aproximação com o sexo oposto, ou seja, com o homem, deve ser feita, pela mulher, pelo vestuário. Ela, precisando ser tola, impotente e bela, deve assim exibir-se, por vezes aparentando estar doente, numa condição ainda mais frágil e dependente de cuidados. O corpo vestido, então, transmuta-se em paisagem visual, também estimulando as fantasias, no campo da sexualidade, sempre numa oscilação entre o insinuar e o recuar: armações que simulam ancas maiores; leques, xales, sombrinhas e chapéus para encobrir ou mostrar; e decotes, espartilhos e excesso de tecidos, drapeados e sobreposições para enfatizar características que são mais “apropriadas” ao “ser mulher”, tais como a possibilidade de procriar e amamentar. A roupa, assim, também é expressão de uma subjetividade, por vezes reprimida, sufocada, recalcada, que culminará na histeria trancafiada em manicômios, à época da criação da psicanálise por Sigmund Freud.
O corpo trancado, apertado e oculto (embora “desocultado”, uma vez moldado e desenhado pela modulação de silhueta), é próprio da mentalidade do Romantismo (com ápice entre os anos de 1830 e 1850), que prega a fuga da realidade humanística, e mais propenso à imaginação, menos ao espírito crítico do Iluminismo. Num contraponto, as crianças passam a vestir roupas com características singulares, mais práticas, dando lugar à noção (num sentido psicológico, social e econômico) do “infantil”. A mulher e o homem devem também sê-lo pelo que vestem: é a partir do século XIX que a sexualização acontece mais por estímulos e menos por idéias ou atos propriamente ditos – isso fica evidente no “caso” extraconjugal, nunca encarnado, entre a personagem já citada (de Michele Pfeifer) e o personagem de Daniel Dey-Lewis: ele acontece nas cartas, nos olhares, nos dizeres, no retirar das luvas. Há uma fetichização pelas roupas. A vestimenta deve se materializar como atrativo sexual, objeto mediador de desejo e corpo idealizado. O corpo – e a subjetividade – é produzido socialmente, inventado e reinventado em ciclos de exacerbação e contenção. A roupa, assim, e não a biologia, é o sexo de pertencimento: o século XIX, pela moda, explicita a condição humana de ser desnaturado, cuja natureza é a cultura.
REFERÊNCIAS
XIMENES, Maria Alice. Moda e arte na reinvenção do corpo feminino do século XIX. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.
A época da inocência. Filme dirigido por Martin Scorcese.
VERA MARTA REOLON
“meras coisas não tem direito a títulos”
(Danto)
“Os discursos se apagam, mas se fazem presentes em cada ação.
Cem linhas e sem linhas [...]”
O SEGREDO: “fazer existir, não julgar”
(Deleuze)
“Os discursos NÃO se apagam E SE fazem presentes em CADA ação.
Cem linhas, COM linhas e sem linhas [...]”
O SEGREDO: “fazer existir, não julgar”
(Deleuze)
OUTRO SEGREDO: “Não invadir a VIDA dos outros”
(Vera Marta Reolon)
Etimologicamente MODA é 1. uso passageiro que rege, de acordo com o gosto do momento, a maneira de viver, de vestir, etc. 2. arte e técnica do vestuário. 3. modo ou maneira de executar as coisas. 4. cantiga, ária, modinha. 5. coisa ou hábito que goza momentaneamente de gr ande apreço popular, coqueluche. 6. na estatística, valor de uma característica quantitativa discreta de freqüência mais elevada, ou centro de uma classe que apresenta freqüência mais elevada.
Flusser em seu texto Pós-História, quando aborda Nossas Roupas propõe que “os termos “modelo” e “moda” provém da raiz “m.d.” que significa medir[..] o significado de “medir” é próximo do de “evaluar””. Evaluar, valorar, dar valor. Moda como valor, valor de algo, valor de “alguém”?. Somos “valorados” a partir de uma vestimenta?. Quiçá somos valorados pela “moda” que ostentamos?
Corriqueiramente dizemos MODA, como significado de uma tendência, um jeito de vestir do momento, um estar “IN”, estar de acordo com as tendências ditadas por um grande centro, por grandes costureiros, por uma grande MAISON. A CASA deste ou daquele que desenvolve um trabalho com roupas e apresenta os resultados de suas pesquisas e desenvolvimentos ao mundo.
Stallybrass, em O casaco de Marx, propõe que sigamos com ele no que ele desenvolve como sendo a importância da moda, mais especificamente a importância das roupas, do modo de vestir-se na segunda metade do século XIX, a partir do exemplo de Marx e sua família, seus costumes e modos de vida, tendo como referencial as roupas, seus objetos pessoais e o resultado de suas negociações em lojas de penhores com estes bens.
Parte o autor das idéias desenvolvidas por Marx em O Capital, citando que Marx dizia do capitalismo como um processo de universalização da produção de mercadorias. A foirma celular da economia como forma mercadoria, forma valor.Mercadoria e valor seriam importantes como valor de troca. A equivalência de um bem seria seu valor de troca por outro bem.
Para Stallybrass toda essa “balela” marxista torna-se paradoxal e irônica, pois Marx, para escrever, para pesquisar na Museu Britânico, realizar suas pesquisas para escrever o texto do O Capital precisava, além de um visto especial que ele tinha, estar vestido de acordo, que no caso seria estar com sua CASACA.
O paradoxal e irônico é que, para manter-se a família de Marx, precisava de dinheiro para a subsistência e, não dispondo dos recursos necessários, inclusive para a compra de alimentos, necessitava penhorar bens pessoais, prataria, objetos, e, pasme-se suas roupas, inclusive o CASACO, roupas das filhas, de Jenny Marx, entre outros objetos.
Diz Marx: “se abstraímos seu valor de uso (da mercadoria), abstraímos também os componentes e formas corpóreas que fazem dela valor de uso..Todas as suas qualidades sensoriais se apagaram.”.
Diz Stallybrass: “fetichizar as mercadorias significa, em uma das ironias menos compreendidas de Marx, reverter toda a história do fetichismo. Pois significa fetichizar o invisível, o imaterial, o supra-sensível.O fetichismo da mercadoria inscreve a imaterialidade como a característica definidora do capitalismo”. Mas a ironia está exatamente nisso, para que Marx e sua família fossem minimamente “respeitados” em seus ambientes de vivências, de necessidades sociais (Jenny era alguém que desfrutou de ambientes aristocráticos na Alemanha), precisavam usar roupas “adequadas” que, por precisarem penhorar estas peças de vestimenta, com o fim de garantir alimentos, aluguel, enfim, vida, não dispunham das mesmas para as freqüências sociais, inclusive as necessárias para a obtenção de dinheiro, através dos trabalhos jornalísticos, sequer para a freqüência ao Museu Britânico para o desenvolvimento de suas pesquisas.
O autor produz diversas ironias e desmembra sua crítica ao sistema “socialista”, trazendo o processo histórico de colonização portuguesa e as hipócritas idéias propostas aos colonizados de “desfaça-se de seus objetos, pois os mesmos não portam valor (ouro e pedras preciosas vindas do solo colonizado, inclusive!) e deixe-os a mim, eu saberei o que fazer com eles!”. Nada que não tenha acontecido por estas plagas também.
Marcel Mauss, citado também pelo autor, diz de “contrato”, em que os “objetos” “afirmam seu desejo de serem doados”. Claro que sempre, os objetos são os do outro, er de preferência que as doações sejam destinadas àquele que propõe ao outro que se desfaça dos bens. Igrejas e instituições são grandes mentores de tais discursos. Mas “governos” e “interesseiros” de plantão também.
Logo, para Stallybrass a proposta de Marx em O Capital os bens devem ser considerados abstrações supra-sensíveis, as roupas incluídas aí mas, no particular de sua vida, Marx bem sabia que a necessidade de suas roupas, das roupas e objetos de sua família, os bens, os objetos, o CASACO eram muito mais que uma abstração pura e simples, eram a necessidade da subsistência, na penhora dos mesmos, mas também eram a necessidade da convivência e frequência social ao serem resgatados da penhora.
Cita o autor, que a penhora de roupas e objetos pessoais eram uma prática comum no século XIX, não somente à família Marx, mas a grande número de europeus frente às dificuldades enfrentadas, o resgate e o posterior retorno às lojas de penhores para novas negociações. Dostoievsky cita em praticamente todos seus textos literários as negociações em lojas de penhores e, no caso de sua literatura, os baixos valores dados aos objetos penhorados pelos avaliadores.
ROUPA, seus tecidos, suas costuras, seu “design”, são formas de “identidade” social. A roupa que vestimos nos identifica, diz de nossa profissão, de nossa classe social, quem e o que somos, de onde viemos, quiçá para onde vamos. Diz também da respeitabilidade que portamos. As marcas de uma peça de roupa diz também de uma “memória”, a trajetória da roupa, seus usos, a trajetória, por onde andou e o que fez e faz quem a porta.
Roupas também podem portar condições de gênero, já que, como lembra Dickens “a particularidade do objeto-como-memória e a generalidade do objeto-como-mercadoria, o primeiro se apresenta como amor verdadeiro, o último como prostituição”, pois as lojas de penhores geralmente eram conduzidas por mulheres e o fato da mulher também como mercadoria, já que anéis de noivado e bens absolutamente pessoais eram levados a loja de penhores e expostos em vitrines.
Cita o autor também estórias que Marx contaria a suas filhas, a rejeição que faz a penhora de brinquedos e a ironia contida em seus discursos e escritos.
Estar sem dinheiro significava ser forçado a desnudar o corpo. Ter dinheiro significava tornar a vestir o corpo. Não ter dinheiro forçava o sujeito a ter de penhorar suas roupas, ter dinheiro significava poder resgatar os penhores. Sem roupas apropriadas Jenny Marx não podia sair para a rua, Marx não podia pesquisar, o operário desempregado não podia procurar novo emprego. “Coisas” para Marx e para os operários não seriam meras coisas, eram os materiais de suas vidas, ou as tinham, ou aniquilavam seu ser.
No filme de Wim Wenders, documentando a vida, o trabalho de Yohji Yamamoto, Wim ouve, freqüenta a “fábrica”, observa, filma a “construção”, o desenvolvimento das peças para o desfile, o próprio desfile, o pensamento de Yamamoto, regado a uma conversa em um jogo de bilhar. O que diz Yamamoto?. Fala de si, mas, mais do que falar de sua vida, f ala da importância de seu trabalho, mostra o desenvolvimento de suas idéias, diz, inclusive que, se Myiake (citado) copiasse uma peça sua, não importaria, porque a “linguagem” utilizada por um e outro não seria a mesma => cada um porta, carrega em sua linguagem um estilo próprio.
O que fica de suma importância no documentário é que Yamamoto diz da importância que dá a assimetria, objetos muito simétricos não o satisfazem, não são algo que o deixam feliz, porque estão muito “certinhos”, o importante é o que torna o objeto real, sua assimetria, sua não perfeição.
Seleciono um trecho que me chamou mais atenção no documentário e na fala de Yamamoto que, para mim definem o estilo clássico, respeitador da realidade, da vida, do grande costureiro: “estilo: enorme dificuldade. O estilo podia se tornar uma prisão, uma sala de espelhos... onde você só consegue se espelhar e se imitar. Yohji conhecia bem esse problema. Claro que caíra nessa armadilha.“escapou dela”, ele disse, quando aprendeu a aceitar seu estilo.“de repente a prisão se abrira”, ele disse. Isso para mim é um autor: alguém que, para começar, tem algo a dizer... que sabe se expressar com sua própria voz... e que finalmente encontra em si a força e a insolência necessária para se tornar o guardião de sua prisão, e não continuar prisioneiro.
No mundo consome-se tudo, tudo, em princípio pode ser adquirido como objeto.
Yamamoto conta que, no século XIX, pessoas muito pobres, em dias muito frios usavam um casaco como se fosse continuação de sua própria pele, para não sentir frio. Ele gostaria que suas roupas pudessem ser vestidas desta forma, como necessidade e marca de si. Isso o deixaria feliz.
Inicia-se e termina-se falando de CASACO. Necessário usá-los no frio, frio de nosso Estado e para que mantenhamos o estado de ser, humano, sentindo menos a baixa temperatura.
Bibliografia
Wenders, Wim – Identidade de Nós Mesmos – Documentário – Europa Filmes –
FLUSSER, Vilém – Pós-História: vinte instantâneos e um modo de usar. SP: AnnaBlume, 2011.
STALLYBRASS – O Casaco de Marx
Senhoras Solteiras - Single Ladies - Put a Ring on IT - Ponha um Anel - Beyoncé (tradução livre)
Todas as Senhoras solteiras
Na boate
Nós acabamos de terminar
Estou fazendo do meu próprio jeito
Você decidiu sair fora
E agora quer surtar
Porque outro cara reparou em mim
Eu estou na dele
Ele está na minha
Não preste atenção nele
Porque chorei as minhas lágrimas
Por três bons anos
Você não pode ficar bravo comigo
Porque se você gostava
Então devia ter me dado um anel....
Três situações: infantil - adulto- o quê?
Desde as proposições da infância, universo adolescente, o sexualizado quase explícito do adulto e a transposição para o universo homossexual (com uma "performer" ilustre e "superstar").
Mas nem o desenho se presta apenas ao público infantil, nem os shows espetaculares são destinados apenas ao público adulto.
O ambiente é uma escola americana: pequenas esquilas cantam.
O ambiente é festivo, todos adoram, dançam, querem ver, batem palmas acompanhando o ritmo da música.
Mas, a música, qual é?
É um hit de uma cantora superstar do momento - Beyoncé, ou melhor Sasha (assim ela se nomeia). A música Single Ladies - Garotas Desacompanhadas - Garotas Solteiras - Garotas Sózinhas. Que tipo de solidão?
A solidão da solteirice, não da falta de amor. Aqui, não se fala em sentimento, fala-se em estar solteira e não ter anel de noivado.
A moça foi "largada" na boate, o "sujeito" resolveu "cair fora" e a tal, sem perda de tempo, parte para outra. O sujeito então surta, porque queria que ela ficasse na melancolia, aguardando e/ou chorando seu retorno.
Mas as garotas desacompanhadas querem compromisso!. Não necessariamente amor, aliança no dedo, um homem para dizer seu.
Com este mote, Beyoncé, Sasha de maiô preto, sapatos pretos, com duas bailarinhas grita, canta, dança o seu "não estou nem aí".
Coreografia de abertura de pernas, movimentos sinuosos, muita sensualidade e sexualidade latentes.
Já as pequeninas esquiletes - Alvin e os Esquilos 2, vestidas com saiotinhas e blusinhas coloridinhas, estilo uniforme colegial, movimentam-se "batendo cadeiras", rebolando, erguem braços, pernas quase nada, apenas para pequenos deslocamentos.
O terceiro momento da mesma música, em que todos, tanto esquiletes, quanto estas (as terceiras), buscam uma releitura do show-clip de Beyoncé.
Aqui o contexto é um festa de casamento gay, em Nova York. Tudo é grandioso, o noivo (a) é organizador de festas, tudo é excessivo, o casal está a comprometer-se um com o outro, mas já combinaram a possibilidade de outras relações fora do casamento.
Lisa Minelli é a condutora do casamento, mas fará também o espetáculo com duas bailarinas. Todas as três com micro vestidinhos pretos, botas e meias pretas. Como convém a uma "senhora" quase centenária, os movimentos de pernas são mínimos. Há mais braços, indicações da mão e a possibilidade do anel no dedo. A festa, a festividade é máxima. Todos acompanham cantando, dançando, olhando, se maravilhando.
Enquanto o original é clip-show, as esquiletes apresentação escolar, aqui o show é adulto participativo.
Com Beyoncé os movimentos são máximos, poder-se-ia dizer que aqui é mais dança, performance, movimento, deslocamentos, abertura de ginastas, mais do que performance vocal (já que o som é "back") - embora música e letra sejam dela, junto a outros.
Com as esquiletes o centro está no rebolado, em movimentos harmônicos, mas curtos.
Beyoncé, em sua melhor forma, ao deixar as Destiny Childs e se lançar em carreira solo, o faz com maestria, divulga no mínimo três hits de sucesso, emplaca-os de saída, Single Ladies, If I were a boy e Hallo, neste disco pré Jay-Z e sua "pasteurização" eletrônica.
No clip de divulgação da música há jogos de claro-escuro, Beyoncé opta por duas bailarinas negras, os movimentos das três beiram a perfeição em sincronia, harmonia, visualização. A cor dos maiôs só faz ressaltar ainda mais o claro-escuro, luz e sombra, aparição-desaparição.
As esquiletes, como apresentação escolar, dá-se o espetáculo, mas o que fica é a graça, a leveza, o "engraçadinho", mais do que momento performático, embora a presença seja marcante.
No filme Sex and the Citty 2, onde se insere Lisa e seu grupo, também de duas bailarinas e ela, é o ponto alto do filme, pois aí, a música e seu sentido, são o mote roteiral do filme. Como tal a luz é máxima, como convém a uma diva da música e de Hollywood de todos os tempos.
As três performances estão em filmes, também em número de três, o de Beyoncè clip-show, não há roteiro, a não ser do show, performance.
Nas esquiletes o ambiente é escolar, filme adolescente, família.
Já a apresentação de Lisa é o ponto alto de um roteiro que questiona exatamente o que a letra da música explora, os relacionamentos.
O que queremos - queremos amor, ou um anel no dedo e uma relação de fachada?
Fica a questão!!!!
"se abandonamos nossos sonhos não somos nada!" -(sic) - in Flashdance.
Vera Marta Reolon
MTb 16.069
Guilherme Reolon de Oliveira – MTb 15.241
De maneira geral, pode-se afirmar que as preocupações da História da Arte, enquanto disciplina ou área do conhecimento, são identificar, classificar, interpretar, descrever e pensar as obras de arte.
Nesse sentido, há uma diferença fundamental entre apreciar arte e fazer história da arte. Apreciar está intimamente ligado à fruição das obras, o que não requer conhecimento prévio sobre a vida dos artistas, os manifestos de movimentos artísticos, os escritos de artistas, as teorias da arte, as reflexões filosóficas sobre o belo. Fazer história da arte, por sua vez, requer um entrelaçamento de conhecimentos sobre a arte, o que engloba uma enodulação de registros simbólicos e imaginários, no que concerne à teoria e à crítica de arte, bem como das continuidades e descontinuidades de estilos, rupturas paradigmáticas, invariantes estéticas, relação vida e obra de artistas. A apreciação está para o gosto, o julgamento e a observação, um desfruto, um tirar proveito de, assim como o fazer história da arte está para uma sistematização acadêmica e/ou ensaística sobre o próprio fazer artístico, em suas facetas teórica e prática, bem como em suas manifestações no tempo e no espaço.
A história da arte, pode-se afirmar também, se diferencia da história em si por se preocupar com problemas artísticos. A história tem por objeto de estudo fatos e acontecimentos que podem coincidir com objetos ou movimentos artísticos, no entanto, enquanto disciplina ou área do conhecimento, a história se preocupa com problemas históricos, ou seja, quais os elementos originários que provocaram rupturas ou descontinuidades nas relações entre poder e sociedade. A história da arte procura também na história fonte para suas questões, mas não só; ela se ampara em uma multiplicidade de teorias e conhecimentos, tais como a semiótica, a semiologia, a antropologia, a arqueologia, a sociologia, a psicanálise, a psicologia, a comunicação, os estudos de imagem, a filosofia. Os problemas da história da arte são fundamentalmente artísticos, ou seja, os objetos e/ou não-objetos artísticos, as obras, os manifestos, os escritos de artistas, a natureza da arte, o processo de criação.
Pode-se escrever história da arte a partir da vida dos artistas ou do ponto de vista do próprio artista, da recepção de suas obras, ou mesmo do processo de concepção destas. Pode-se escrever história da arte a partir de estilos, que marcam períodos, épocas de produção. Pode-se fazê-lo a partir de uma linearidade temporal, com a sucessão de obras, de acordo com o acontecimento de suas produções. Ou, em outros termos, há modos de organizar a arte e dar-lhe uma história, enfatizando o artista, o estilo, a região. Há, no entanto, outros modos de organizá-la: pode-se escrever uma história da arte que leve em conta poéticas, temáticas, modos de composição de obras, usos de cores, suportes ou mesmo intencionalidades. É isso que a historiografia nos lega: uma pluralidade de modos de fazer e escrever história da arte.
CONCEITO DE IDEIA NO RENASCIMENTO
Segundo Panofsky, a compreensão fundadora do Renascimento concerne à imitação do mundo natural, tendo Dante e Bocaccio como base para tal compreensão. Diz ele: “a arte tem por missão ser uma imitação direta da realidade” (1994, p.45).
No Renascimento, com a definição do desenho (Vasari), a pintura e a escultura passam a ser entendidas como vertentes de um mesmo fundamento. O desenho é a base originária de ambas. Há, nesse sentido, uma aproximação com o entendimento que hoje há das artes ditas plásticas – o conceito de artes visuais, por sua vez, engloba outros fatores – no qual pintura e escultura representam a essência de uma relação de volumes e espaços vazios e preenchidos.
O que é novo e define o Renascimento é, mais que isso, o pintor estar colocado frente a um modelo. A arte, assim, acaba por triunfar sobre a natureza. Leonardo é emblemático nesse sentido: pretende refutar os pintores que querem corrigir as coisas da natureza. A pintura mais digna é a que apresenta maior semelhança com a coisa pintada.
Há uma exortação para que o artista se afastasse da verdade da natureza para representar a beleza, para elevar a arte à representação da beleza. Assim, o triunfo da arte sobre a natureza é possível graças à imaginação e à inteligência do artista. Há uma dupla exigência das obras do Renascimento: ser fiéis à natureza, mas também à beleza, ou seja, tanto imitar, quanto corrigir a natureza.
O que caracteriza a teoria da arte nesse período é a relação sujeito-objeto, exemplificada, por exemplo, na perspectiva. A arte do século XV é herdeira da arte da Antiguidade: há uma reivindicação de um lugar entre as artes liberais e uma racionalização da atividade artística, ao mesmo tempo em que a arte deve ter como preocupação a verdade, transcrita em imitação, e a beleza, ressignificada em correção de “imperfeições”. A tarefa da teoria da arte acaba por ser, assim, a formulação de critérios válidos universalmente: como estabelecer uma normativa, já que o prazer atribuído à beleza não poderia ser o gosto individual do artista.
Pela primeira vez desde a Antiguidade, há um afrouxamento do vínculo entre o belo e o bem, como uma autonomia da estética. O problema passar a ser o reconhecimento e o julgamento da beleza visível: o credo realista renascentista reconciliado à Idéia. Para perceber a beleza, o espírito deve possuir uma “faculdade de perceber”, que para ser adquirido dependia da experiência, do exercício. Destaca Panofsky: “a idéia recebe da experiência, portanto, não apenas sua condição de possibilidade, mas precisamente sua origem” (1994, p.61). A Ideia, assim, é produto do conhecimento humano: não está mais na alma do artista, mas advém de uma investigação deste.
A Idéia, por sua vez, a partir da metade do século XVI, está ligada à faculdade de representação, bem mais do que o conteúdo da representação artística. Ela se acha prefigurada e como que em potência nos objetos, mesmo que seja conhecida e realizada em ato só pelo sujeito. O artista produz em seu próprio espírito e manifesta por seu desenho. Não provém do artista, mas da natureza por intermédio de um “julgamento universal”. A beleza, assim, é síntese interior dos casos particulares, não é obtida pelo acordo externo das partes (Panofsky, 1994, p.64).
A Ideia é um Ideal. É produto do espírito humano, mas exprime ao mesmo tempo as leis que estão prefiguradas nas coisas, e isso se afasta da subjetividade e do arbítrio. O natural é aperfeiçoado pela arte. A Beleza, assim, não está propriamente na natureza, mas no desenho (nas regras, no sistema do desenho) que provém da genialidade do artista.
Sábado, 17 de junho de 2017
SOBRE ARTE - Sobre História da Arte
Vera Marta Reolon - MTb 16.069
Para Dana Arnold apreciar uma obra de arte é diferente do que faz um historiador de arte. Este identifica, classifica, interpreta, descreve e pensa as obras de arte.
Um apreciador de arte não necessita “entender” obrigatoriamente de arte, ele pode simplesmente fruir sobre a obra. Sentir a obra de arte,observá-la, gostar dela.
Um historiador de arte precisa conhecer os estilos de arte, como ela se classifica no tempo e espaço, como se pode interpretá-la, pensá-la, descrevê-la (pode-se descrever uma obra de arte sob diferentes aspectos, modelos, estilos, etc..).
Um historiador de arte difere igualmente de um historiador. Este descreve fatos históricos, atos dos homens enquanto vida, feitores de história, enquanto aqueles são delimitadores de estilos, de maneiras de fazer arte. Ambos têm conhecimentos delimitados em seus campos de ação que, por horas, podem se entrelaçar, mas em sentidos e configurações diferentes.
Enquanto disciplina acadêmica, a história da arte permite que se obtenha um conhecimento sobre os acontecimentos que fizeram a arte mundial, de forma a delimitar-se as formas de arte, suas características próprias, conforme os diferentes movimentos artísticos, as vanguardas, os períodos e os meios e artistas que os abarcam. Tem-se a história da arte contada por historiadores de arte, críticos, pelos próprios artistas.
Penso ser interessante em uma disciplina de história da arte iniciarmos com uma possível delimitação de períodos e alguns artistas que pertencem a este ou aquele movimento, como uma tabela em que se possa visualizar o movimento e o que, para aquele movimento, delimita uma vanguarda, um momento de ruptura, de avanço. Esta é uma historiografia possível, como outras o são e se apresentam, ou podem “contar” a história da arte.
POÉTICA DE ARISTÓTELES
Aristóteles, em A Poética, problematiza a estrutura narrativa e o que distingue a tragédia da comédia. Como e quais eventos podem ser imitados pela poesia. Para tanto, o filósofo fragmenta o texto em capítulos de modo que, no avançar destes, complexifica o tema: assim, sua metodologia consiste em subdividir espécies de poesia, história da tragédia e comédia, definições e evoluções do gênero, sempre de um modo classificatório. O critério de diferenciação das espécies poéticas é objeto da imitação e o modo da imitação. O que é comum às espécies é a imitação dos homens que praticam alguma ação e estes, necessariamente, são indivíduos de elevada ou de baixa índole, assim, a diferença, segundo o objeto das artes miméticas é: a tragédia imita os objetos melhor do que ordinariamente são, a comédia, por sua vez, pior. Segundo o modo de imitação, há uma pequena diferenciação: a classificação se subdivide em narrativa, mista e diamética. Quanto às causas da poesia, Aristóteles destaca que são duas, e ambas naturais: o imitar é congênito ao homem. Diz ele: “se suceder que alguém não tenha visto o original, nenhum prazer lhe advirá da imagem, como imitada, mas somente da execução, da cor ou de qualquer outra causa de mesma espécie”.
A poesia, segundo o filósofo, toma diferentes formas segundo a diversa índole particular dos poetas.
A poesia e a história não diferem pelo modo da escrita (verso ou prosa) mas sim que um diz as coisas que sucederam, e outro que poderiam suceder. Por isso, a poesia é algo de mais filosófico e sério que a história, pois refere àquela principalmente o universal e esta o particular.
Aristóteles e Platão se diferenciam capitalmente em suas concepções de comparação entre poesia e história, ou melhor, a imitação em relação à verdade. Para Platão, a imitação tem um caráter ilusório e, nesse sentido, falso, contrário à verdade.
Aristóteles pensa a poesia – a imitação – sem a necessidade de acordo com a verdade. A poesia deve, outrossim, ter verossimilhança: não deve narrar o que aconteceu, mas representar o que aconteceu.
Platão vê a imitação sob um aspecto negativo; Aristóteles, por sua vez, por um aspecto catártico, logo positivado.
Tragédia não é imitação de homens, mas de ações e de vida, de felicidade ou infelicidade, reside na ação.
Vera Marta Reolon[1]
Somos os filhos da Revolução,
Somos burgueses sem religião,
Somos o futuro da Nação,
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola, Legião Urbana
- - -
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida.
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
De carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma...
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!
Canção de Outuno, Mário Quintana
Cem Anos da Revolução Russa.
O que dizer sobre isso?
Como explicar a força de um povo que, mesmo com cinquenta graus Celsius negativos se põe a guerrear, matar-se uns aos outros, por ideais de uma liberdade (?) do jugo czarista (será que era tão ruim assim?).
Enfim se põem a guerrear em condições sub-humanas por questões políticas (a maioria das guerras usam como mote o político, mas por o que guerreiam mesmo é o econômico, por “jogos” de poder!).
Desde Alexander Nevsky, os russos mostram-se fortes, capazes de sobreviver às baixíssimas temperaturas, capazes de lançar mão de estratégias de conhecimento de seu território para defender o que pensam, sua gente.
Antes da Revolução de 1917, a Rússia já havia conhecido a união do povo com os intelectuais em uma “revolução”, em 1905. Tal revolução abalou os domínios feudais, elevando camponeses, com o intuito de reduzir a exploração e melhorar condições de vida.
A ruptura que no oeste europeu se determinara diversos anos antes, na Rússia manifestou-se com igual dramaticidade apenas depois da Revolução de 1905. Nessa revolução, as forças populares intervieram com extrema decisão, imprimindo-lhe um nítido caráter socialista. Foi um vasto movimento social que sublevou operários e camponeses, abalando o regime feudal em suas fundações. O poder czarista, todavia, resistiu ao ataque e dele saiu vitorioso. (DE MICHELI, 2004, p.232)
Provavelmente, então, a Revolução de 17 já se iniciara muito antes e, mantendo-se a espreita estoura em 17 para não mais retornar. Para que tenham certeza, exterminam a família do czar, a família imperial e tomam seus castelos.
A Revolução é um marco e fonte de perguntas até hoje, pois como explicar a força deste povo que vive e guerreia nestas condições já citadas, une diferentes nações em uma grande força, a URSS, com poder férreo, extingue suas diferentes línguas, assumindo uma língua comum, o russo, uma moeda,..., a verdadeira globalização, muito antes de qualquer possibilidade ocidental pensar nisso. Não à toa é de lá, da Rússia que surgem os grandes estudiosos do pensamento e da linguagem, entre eles Jackbson, Baktin, Vygotsky, Luria, e muitos outros.
Para buscarmos entender a Revolução, lançamos mão da arte, sempre a arte, a estética, a nos mostrar os avanços (ou involuções) que damos em nossa luta de sobrevivência (por vezes subserviência – inclusive aos “artistas”, em suas, por vezes, loucuras, delírios alucinantes que só fazem involuir a humanidade). A estética tem o dom de nos enlevar a universos não trilhados, na beleza de uma evolução que nos conduz ao futuro em passos seguros, pois nos fazem refletir, questionar, pensar em novas formas de retratar o real, neste recorte que a arte nos proporciona. Se a estética vive momentos de destruição da beleza, destruição do pensamento, dos atos que nos fazem humanos, destruição de ideais de grandeza interna (não a paranóia da busca do poder exacerbado), ela nos faz involuir, destruir o construído, morrer progresso, ideais, Vida.
Mas então, para entendermos a Revolução de 1917, buscamos na obra de Boris Pasternak, Doctor Zhivago, em uma produção de David Lean e Carlo Ponti, da MGM. Boris que é um russo falando da Rússia, produzido por um americano e um italiano (certamente o mundo se questiona o que e como aconteceu a revolução). Transformaram em filme como Dr. Jivago.
O contraponto se dá com um americano, John Reed, com sua obra Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, estrelado, dirigido e produzido por Warren Betty, para a Paramount. As duas obras da literatura para o campo das imagens, e não simples imagens, mas para o cinema, com todas as suas possibilidades de manipulação de som, imagem, luz, música, figurinos, cenários, a nos transportar para o vivido na época, sem o sofrimento atroz dos que lá habitaram e agiram.
Interessante falar em Ação, já que, para Hanna Arendt, uma judia alemã, novamente os alemães, nos lembra que a condição humana por excelência é a Ação, o trabalho. Por quê será que nesses nossos tempos só pensamos no ócio, no acumularmos recursos para a vida do ócio, se o que nos torna humanos é o trabalho?.
A história em Dr. Jivago é um romance, com pano de fundo ao processo revolucionário. Abre com o General Petrov Yevgraf (bolchevique), irmão de Yuri (Zhivago) que procura a filha de Yuri, entre os muitos camponeses e operários que voltam das trincheiras soviéticas para Moscou e São Petersburgo em busca de melhores condições, ou simplesmente voltar a suas terras. Petrov é o narrador da história. Tem informações de que Tonya (2), filha de Yuri e Lara (provavelmente) está entre os camponeses. Ele a chama, a questiona, ela não lembra de seu passado. Petrov então inicia sua argüição e apresentação da vida de Yuri Zhivago. Inicia com a morte da mãe de Yuri, seu enterro e a permanência de Yuri para criação com os Maximiovich, Alexander e Anna e sua filha Tonya que, assim, cresce junto a Yuri. Tonya vai estudar na Europa, enquanto Yuri permanece na Rússia estudando medicina. De crianças Yuri e Tonya a cena os projeta a um futuro, onde já adultos, Tonya retorna de Paris e Yuri está atuando na área da medicina, não sem escrever poemas que, enviados a Tonya, fazem sucesso nos meios parisienses.
Lara, Larissa Antipova, outra personagem é filha de uma costureira da aristocracia que mantém uma relação com um homem sem escrúpulos Victor Kamarovsky. Lara está com 17 anos e possui uma beleza ímpar, é observada por todos, inclusive por Kamarovsky. Kamarovsky era sócio do pai de Yuri e, realizando o testamento, prejudica Yuri na partilha e herança de seu pai. Kamarovsky, assim como os Maximiovich (Yuri também) freqüentam a corte imperial. A mãe de Lara deseja que a filha ponha em prática os conhecimentos de etiqueta e línguas e estudos adquiridos e freqüente a corte. Para tanto, encaminha Lara a acompanhar Kamarovsky por aquele meio.
Lara é amiga de Pasha Antipov, um jovem idealista que, politicamente engajado, distribui panfletos nas ruas e sofre com a repressão das forças czaristas que tentam controlar os levantes populares.
Em uma ocasião quando a mãe de Lara está adoentada, esta pede que Lara acompanhe Kamarovsky a um restaurante. Victor se surpreende com a educação e o conhecimento de Lara, comem, dançam. Lara enlevada pelo clima criado, deixa-se seduzir pelo homem experiente e sucumbe. A situação se mantém até que Lara, provavelmente grávida, é descoberta pela mãe em suas “mentirinhas” para encontrar-se com Victor. Isso faz com que a mãe tente o suicídio, o que traz Yuri a acompanhar seu orientador em medicina à casa de Lara, tome conhecimento da situação e os personagens se encontrem, se conheçam. Yuri estava em casa, em uma recepção a Tonya, de volta de Paris, reunidos ao orientador, quando este é chamado por Victor (que pede sigilo da situação).
Victor busca “resolver” o imbróglio forçando Lara a um casamento com ninguém menos que Pasha. Ele considera Lara uma promíscua que não vive sem ele, suas riquezas, proteção e sexo. Pasha é levado a crer em uma Lara virgem, pura e precisando da proteção de um casamento.
O processo revolucionário está em marcha, os operários e camponeses tomam as ruas, a guarda czarista busca detê-los, atacando-os com armas, cavalos e condições extremamente distintas do universo rural e pobre de recursos dos revolucionários. Pasha é um líder, está à frente dos grupos, comanda o grupo. É machucado e vê as tropas czaristas atacarem crianças, mulheres, todos que estão em marcha, porém não se abala. Yuri, por sua vez observa de sua casa as ruas e o processo de luta armada. Sofre com o horror presenciado e busca ir à rua atender os feridos com seus conhecimentos médicos. A guarda imperial o destitui e o manda entrar em casa. Ele resiste, mas sucumbe ao pedido de Maximiovich que teme pela família e, especialmente, por Tonya que chega da Europa.
Petrov é um outro tipo de revolucionário, em suas próprias palavras, ele é convocado pelo partido socialista soviético a alistar-se, com o propósito de preparar, conduzir a perda na guerra (1ª Guerra Mundial), se os russo perdessem a guerra, o poder do czar seria questionado pelo povo, isso conduziria à Revolução interna. Só assim a Revolução se faria como uma necessidade.
A população ia às ruas solicitando Solidariedade e Liberdade, mas o que precisava era de alimentos. “Gente feliz não é voluntária” (Petrov). “Até Lenin subestimou a angústia do front de 900 milhas e nossa capacidade de sofrer” (idem). Quando começaram a voltar para casa se dá o começo da revolução. O czar foi preso, Lênin está em Moscou. A guerra civil começa. A revolução se dá em meio ainda à guerra, aliada a tudo, invasões de residências, falta de alimentos, casa, o frio excessivo e o tifo. Invasão de propriedades privadas, assim transformadas em comunidades. O exército branco contra o exército vermelho liderado por Strelinikov (Pasha renomeado). Na guerra civil entre brancos e vermelhos, que durou 2 anos, o czar e toda sua família são mortos, com o objetivo de mostrar a todos “que não há volta” (Petrov). Victor, neste novo arranjo se torna Ministro da Justiça.
Yuri está casado com Tonya, vivem todo o processo revolucionário, sua casa é invadida e seu espaço dentro dela é cada vez menor. Seus bens são saqueados, falta-lhes tudo, desde alimentos, até madeira para queimar e preparar os alimentos e mesmo aquecer a casa no rigor do inverno russo. Petrov vê Yuri roubando madeira para queimar em casa, o segue e vê as condições em que estão vivendo. Apresenta-se como irmão de Yuri e indica que devem sair dali antes de as condições tornarem-se insuportáveis. Yuri se muda com Tonya, Sasha (seu filho pequeno) e Alex (Anna já está morta) para uma casa no interior. São transportados por trens superlotados, em precaríssimas condições de alimentação e higiene. Observam e são observados por todos os demais. Olham as condições das invasões às propriedades, a queima de bens dos que não se submetiam a um ou outro lado. A morte sempre presente. Chegam à casa no interior, ela está fechada por ordens. Não podem adentrar. Estabelecem-se em uma casa auxiliar, depósito, de condições inferiores. Plantam alimentos para o consumo e deslocam-se eventualmente a uma pequena cidade, vila, perto dali. Yuri é descoberto pelo exército e convocado a atender doentes. Lara o auxilia como enfermeira. Yuri volta e mantém-se com Tonya e seu pai (mais Sasha). Vai a vila e reencontra Lara.Ali concretamente inicia-se o romance. Lara está razoavelmente protegida, já que é casada com Strenilikov (e é observada). Yuri vem e vai a esta vila para busca de alimentos. Num dos retornos é convocado pelo exército vermelho para atender os doentes. Não sem que ironizem sobre sua condição de “amante” da mulher de Strelinikov. Yuri permanece no atendimento aos doentes, até que em dado momento decide desertar e volta para perto de Lara. Victor reaparece e apresenta-ser como Ministro de Justiça, buscando auxiliá-los a fugir dali. Lembra a condição de Yuri de desertor, e Lara e Kathya (filha de Lara – provavelmente com Victor – grávida quando de seu casamento com Pasha). Yuri e Lara decidem mudar-se para a casa de campo dos Maximiovich (Tonya, Sasha e Alexander já saíram dali). Ali vivem até que Victor volta e convence Yuri de que o melhor para Lara e Kathya é que elas viajem com ele, sob sua proteção. Yuri não vai e não mais retorna na história.
A cena retorna a Petrov e a sua conversa com Tonya (2). Esta ainda duvida ser filha de Lara e Yuri, mas parece-se muito com eles. Isso é sinalizado por Petrov. Petrov lhe entrega um caderno de poemas de Yuri (já um poeta famoso entre os revolucionários – antes era proscrito) e observa que ela toca balalaika, sem jamais ter aprendido (a mãe de Yuri tocava balalaika e deixou o instrumento para Yuri de herança).
O que fica?
Apesar do romance e da beleza das imagens, mesmo da neve, dos casarões, dos casacos, ..., o horror das situações, os jogos de poder, os interesses pessoais acima dos ideais, a tentativa de não morrer, de não sucumbir aos rigores do inverno, da falta de alimentos (presente em todas as guerras, inclusive como forma de guerrear e controlar a vida dos oponentes) , os interesses de atravessadores interessados em manter a guerra para obter recursos e poder (Victor). O idealismo transformado em força controlada pelos atravessadores com o intuito de destruir qualquer possibilidade de novos levantes contra o poder instituído, na forma que se mantenha um jogo de controle sobre recursos e pessoas.
A educação, os processos sociais, a família, a religião, as formas de socialização – preconizadas como garantias de uma sociedade mais justa – transformam-se em formas de controle do povo. São destruídas com o intuito de que o poder central não seja questionado e seja derrubado. Ou seja, os ideais são derrubados em função da necessidade de poder, campo inicialmente questionado para derrubar o czarismo.
Outro filme REDS, baseado na obra de John Reed, Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, inicia com Louise Turllinger, jornalista casada com um dentista liberal. Ela deixa o marido e vai a Nova York para entrevistar John Reed.
“Jack Reed queria armar confusão para os capitalistas e também queria despertar nas massas trabalhadoras a necessidade de agir com uniformidade e eficácia” (Louise Bryan, torna-se Louise Reed, em 1916).
Por quê os EUA queriam a 1ª Guerra Mundial?
Por lucro. J.P.Morgan Bank apoiava a Inglaterra e a França (a Alemanha queria uma parte da economia mundial), emprestou 10 bilhões de dólares. Se a Alemanha ganhasse, o J.P.Morgan não recuperaria o dinheiro e a economia fracassaria no mundo. Logo, os aliados precisavam ganhar a guerra.
Reed escrevia para a revista As Massas e vai a Seatle para levantar dinheiro para a revista. A edição da revista se dava em sua casa.
Sobre a Guerra: 65 milhões entram na guerra. 10 milhões morrem. 10 milhões ficam órfãos. 20 milhões ficam mutilados, alijados ou feridos. Catástrofe na Europa. Holocausto na Europa.
Reed está engajado no Partido Socialista americano. Ele diz:
“Meu nome é Jack Reed e esta não é minha guerra e não quero ter nada a ver com ela”.
O Partido Socialista se opôs à entrada dos EUA na Guerra e pensavam em ações contra a Guerra. Logo, se observarmos os dois filmes vemos que o Partido Socialista americano ia contra as idéias e conluios que os socialistas russos realizavam, pois estes (os russos) mobilizavam-se para que a guerra surtisse os efeitos de perda e posterior Revolução.
Reed chega à Rússia no governo Kerensky (homem-pensamento), Trotsky (homem-ação), (isso é afirmado no filme, porém sempre tive a noção clara que fosse o inverso, ou seja, Trotsky era o intelectual da Revolução, e Lênin, o homem das ações). A Rússia vive três governos provisórios em seis meses. A Revolução se dá na primavera de 1917.
O Palácio de Inverno do Czar é a sede do governo de Kerensky. Há fila para pães, para botas, para cartão (para pegar pães e botas). Entre a fila de cartões e as filas propriamente ditas (de pães e botas) o intervalo é de seis meses.
Reed escreve ao entrevistar Lênin:
“Lênin é um líder popular estranho, meramente por seu intelecto insosso, sem senso de humor e intransigente, parece precisar da forte personalidade de Trotsky, ou de sua habilidade oratória, sem dúvida o arquiteto é Lênin”.
Situação difícil para um país conduzindo uma guerra (EUA), que um aliado seu faça uma revolução e o governo seja mudado.
Para Jack o socialismo era uma religião. Seu grupo sai do Partido Socialista (Chicago) por divergências e fundam o Partido Comunista Operário da América. O partido envia Reed para a Rússia para oficializá-lo como Partido Oficial, representante do socialismo na América. Os russos não só não oficializam como pedem que os grupos se unifiquem. Paralelo a isso forçam Reed a ficar na Rússia no Escritório de Propaganda. Reed quer voltar, não tem notícias de Louise, nem dos companheiros, mas o forçam a ficar. Louise está nos EUA e mantém um romance com Eugene O’Neil. Reed tenta entrar nos EUA pela Finlândia e lá é preso. Louise vai à embaixada para que intercedam por ele. Eles negam. Jack é solto, trocado por professores finlandeses presos na Rússia. Lênin diz que “o trocaria por 50 professores”.
Jack volta à Rússia, lá ele e comunistas americanos começam a se desiludir com o partido e seus atos. O poder está centralizado e não representa as massas. Não há mais autonomia local. O Estado Central detém todo o poder. O poder está nas mãos de poucos, estão destruindo as esperanças do comunismo na Rússia. Todos os jornais foram fechados. Quatro milhões de pessoas morreram em 1919 por fome e tifo. Repressão de direitos humanos e liberdade.
“Se separar um homem do que ele mais quer, o que faz é tirar-lhe o que ele tem de único. E se tira o que ele tem de único, lhe tira a dissidência , mata a revolução!”(Reed)
Revolução é Dissidência (o homem torna-se assim um zumbi do nada!), digo eu!
Reed morreu em outubro de 1920. Era um Instigador.
À provocação de o que aconteceria se Reed permanecesse nos EUA, logo não morreria (talvez) dos sintomas exacerbados pelo frio e pelas condições decorrentes dele na Rússia, digo, com certa convicção que teria apenas evitado sua morte prematura e vivido um pouco mais de tempo, escrito sobre o socialismo e talvez sobre seu uso funesto para obter o poder, sem idealismos e enfim com a morte deste idealismo. Talvez fosse mais feliz, quiçá!.
Zhivago mostra-nos mais o povo e a guerra em si. Reds nos mostra mais os processos políticos, os jogos de poder, isentando o povo de participação nos processos políticos, sendo manipulado para obter os resultados angariados apenas por um grupo menor.
Buscando fazer um contraponto estético a um texto quiçá excessivamente político-econômico pretendo fazer um recorte ao processo de guerra e apresentar um exemplo de vida, apesar da guerra. A de Wassily Kandinsky, o mentor e maior nome do abstracionismo mundial, um russo de nascimento e que viveu nesta época.
Kandinsky nasceu em 22 de novembro de 1866, em Moscou. Filho de pai siberiano, comerciante de chá e mãe moscovita. Família bem sucedida, Kandinsky estuda línguas, música, pintura, forma-se em direito e economia. Seus avós são transferidos para a Sibéria por razões políticas. É professor de direito na Universidade de Moscou. Monta com Franz Marc, Paul Klee e Shoenberg a Der Blaue Reiter. Escreve e ministra aulas sobre pintura, forma, espiritual. Seus textos estão em processo de tradução (aos poucos) e transmitem seu pensamento e sua forma de ver a arte, a pintura em especial.
No período revolucionário 1917, 1918 e a frente, é membro do departamento de Belas-Artes do Comissariado para a Instrução Pública, faz parte do Bureau Internacional e do diretório da seção teatro e filme, editor do jornal Iskssurvo. Em 1919 é membro do Comitê de redação da Enciclopédia de Belas Artes, redige os artigos Do Ponto, Da Linha (publicados em Iskssurvo). Participa em 1920, da fundação do Inkhuk (Instituto de Cultura Artística) para o qual redige na primavera um programa pormenorizado, esse programa será colocado em minoria, o que provocará a demissão de Kandinsky. Em 1921 é Membro do Comitê encarregado de estudar a criação de uma Academia da Ciência Geral da Arte. Dirige o sub-comitê da seção de psicofisiologia. Em dezembro deixa a Rússia, por Berlim. Em 1922 é chamado, como professor a Bauhaus de Weimar. Participa da grande exposição de arte russa em Berlim. Em 1928 adquire nacionalidade alemã. Recebe medalha de ouro das artes, concedida em Colônia. Em Paris permanece até sua morte em 1944.
Enfim o período revolucionário russo não é só guerra. Há vida, há arte, há estética, há ética, apesar de todos os jogos de poder político-econômico e apesar de toda morte, falta de recursos e destruição.
Até onde foi possível lutar por tê-la!.
A pergunta que fica para os marxistas (parece que um dia eu também fui uma simpatizante) é: se a condição humana é a ação, o trabalho, como chamar-se-ão os seres (?) num mundo sem trabalho?.
“Se você me esperar, voltarei,
mas espere-me com muita força.
Quando a chuva trouxer a tristeza
espere que a neve se dissipe.
Espere quando o verão triunfar,
Espere quando esquecer o passado,
quando de países distantes
não vier mais correspondência.
Espere quando cansarem os que com você esperavam” (Simonoff) (eu espero...)
REFERÊNCIAS
DE MICHELI, Mario. As vanguardas artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
KANDINSKY, Wassily. Olhar sobre o passado. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Dr. Jivago. Direção: David Lean. Metro-Goldwin-Mayer, EUA/Itália, 1965.
Reds. Direção e Produção: Warren Beatty. Paramount Pictures, EUA, 1981.
[1] Psicóloga (CRP 07/7654), Jornalista (MTb 16.069) e professora no Departamento de Estudos Básicos (FACED/UFRGS). Doutora em Filosofia (PUC-RS), Doutora em Educação (UFRGS), Mestre em Letras e Cultura Regional (UCS), Bacharel em Psicologia (UCS) e Bacharel em Ciências Contábeis (UCS). Autora do ensaio mulheres para um homem... para O Homem, A Mulher (Edipucrs, 2008). Co-editora dos blogs Folha das Artes e Mondo della Arte, especializados em crítica de arte e pesquisa em (est)ética. E-mail: verareolon@terra.com.br.
Guilherme Reolon de Oliveira[1]
Considerações iniciais
O ano de 1917 é um marco político-cultural mundial. Não há dúvidas que a Revolução de Outubro foi ideologicamente uma bomba de dimensões nucleares e, assim, continentais. A governança adquiriu novas configurações pela inauguração do regime socialista na Rússia e, novamente, porém de forma ainda mais forte e contrastante, as questões de liberdade, igualdade e fraternidade vieram à tona.
Uma questão que nos colocamos, entretanto, parece ainda pouco explorada. Não pretendemos encerrar o assunto. Muito pelo contrário, nossa intenção é fomentar um princípio de conversa. Eis: a revolução pela dimensão estética, iniciada na Rússia anos antes da Bolchevista, na pintura abstrata, na literatura formalista e no balé clássico-moderno, não seria uma revolução em sentido estrito com conseqüências mais concretas, menos violentas? Tal revolução não seria mais ampla caso não tivesse sido barrada e interdita, uma vez associada pelos bolchevistas a ideais burgueses e individualistas? Herbert Marcuse, filósofo da Escola de Frankfurt, com forte apelo marxista, nesse sentido, afirmara que “a arte representa o objetivo derradeiro de todas as revoluções: a liberdade e a felicidade dos indivíduos” (1977, p.75).
Marcuse, num entendimento que confronta frontalmente as ações bolchevistas no que concerne à arte, argumentara que o potencial político da arte reside na própria arte, na forma estética em si. Para ele, a arte é absolutamente autônoma perante as relações sociais existentes, e é nessa autonomia que ela não só contesta estas relações como, ao mesmo tempo, as transcende. O potencial político da arte, assim, se baseia apenas na sua própria dimensão estética. Destaca o filósofo: “a arte é ‘arte pela arte’ na medida em que a forma estética revela dimensões da realidade interditas e reprimidas: aspectos da libertação” (p.30). Reprimir a arte, em todas as suas manifestações, tal qual nas interdições a que russos estiveram submetidos, nesse sentido, é reprimir o próprio cerne revolucionário que nasce independente e autônomo, sem quaisquer amarras partidárias e/ou doutrinárias. Mais uma vez, Marcuse é certeiro: “a transformação estética transforma-se em denúncia – mas também em celebração do que resiste à injustiça e ao terror, e do que ainda se pode salvar” (p.53).
Examinemos a história da dança na Rússia nos anos anteriores e posteriores á Revolução de Outubro. Em seguida, retomemos as discussões. Cabe ressaltar que, na nossa opinião, balé e cultura russa são quase que sinônimos, uma vez o caráter de indissociabilidade que os integra e constitui.
1. Petipa e a transformação do balé romântico em balé clássico
Marius Petipa nasceu em Marselha, em março de 1818, e morreu em São Petersburgo, em julho de 1910. Durante o período de sua vida, o balé romântico cresceu, atingiu o apogeu e entrou em decadência, seguido pela era do balé clássico, do qual Petipa foi o maior expoente, e chegou até a revolução de Diaghilev. Ao longo de seu reinado no Balé Imperial Russo, que durou de 1858 até sua morte, ele compôs 54 balés novos, reconstruiu 17 balés antigos e fez as danças para 35 óperas, constituindo a influência máxima sobre aquilo que se convencionou chamar de balé clássico: nos legou obras de maior importância, como D. Quixote (1869), A bela adormecida (1890), O lago dos cisnes (1875), lembrados até hoje pelo público leigo como referências na arte da dança.
O sistema de vida na Rússia teria uma influência distinta sobre o balé, muito diferente do que acontecia na França. A época da Revolução de Outubro ainda estava distante e o balé não era apenas um divertimento do czar e de sua corte, mas uma arte teatral que pertencia à vida do povo russo,uma vez integrada à sua cultura. Ao mesmo tempo, as diversas convulsões políticas ocorridas na França e na Itália no século XIX não atingiram a Rússia, pelo que não houve descontinuidade na arte deste país.
Sem dúvida alguma, uma das maiores contribuições de Petipa foi o desenvolvimento dos elementos puramente dançantes no balé. Ele possuía um senso arquitetônico inigualável, o que fazia dele um inspirado construtor de danças para o corpo de baile. Durante todo o tempo em que foi coordenador do balé russo, Petipa se esforçou por desenvolver a técnica da dança. Exigia o maior padrão de execução e influenciou no currículo da Escola Imperial de Dança de maneira a que esta formasse alunos de gabarito técnico cada vez mais alto.
No entanto, foi da própria Rússia que veio, com Diaghilev, a revolução que mudaria por completo a história da dança, dando a esta arte uma nova vitalidade e colocando-a definitivamente no rol das formas de expressão mais populares.
2. O nascimento do balé moderno
Normalmente, a importância de Isadora Duncan para a renovação ocorrida no balé logo no início do século XX é, ao mesmo tempo, superestimada e subestimada. Rebelde desde criança, não se deixou pautar por nenhum cânone em matéria de dança. Dançava quase sempre com uma túnica esvoaçante, influenciada pela cultura grega, e foi a primeira bailarina ocidental a dançar de pés no chão e a aparecer no palco sem malhas. Chamava seu trabalho de “dança livre”: não seguia escolas de dança reconhecidas. Ao mesmo tempo, ousou dançar composições de grandes músicos, que eram, até então, privilégio de concertos e recitais.
Em 1905, Duncan dançou na Rússia, tornando-se um centro de controvérsia entre os membros da velha escola de balé e a juventude intelectual da época. Mas influenciou Michel Fokine, que colocou no palco do Teatro Marynsky bailarinas de pé no chão e vestidas de túnica grega. Mais tarde, Duncan retorna à União Soviética, em 1921.
O comissário do povo, encarregado da cultura, Anatol Lounatcharski, que quer que a arte soviética se abra ao mundo moderna e que seja a primeira na revolução estética, convida-a para criar uma escola em Moscou. Pouco depois, será implicado no “complô trotskista” e a escola será fechada em 1929. (BOURCIER, 2001, p.250)
Mas o catalisador que reuniria as forças jovens da dança e explodiria muitas de suas regras arcaicas era um russo e chamava-se Serge Diaghilev. Membro da nobreza, teve uma educação privilegiada: absorvia com facilidade todas as novas correntes da arte. Freqüentava um círculo de jovens pintores e músicos, cujo mentor era o cenógrafo Alexander Benois, que mais tarde desenharia diversas produções para os Ballets Russes. Juntos fundaram a revista Mir Isskoustva (O mundo da arte), que exerceu grande influência sobre o desenvolvimento das artes na Rússia.
Em 1889, o diretor dos Teatros Imperiais, príncipe Serge Volkonsky, atribuiu a Diaghilev a função de editar a publicação anual dos Teatros Imperiais. Independente, Diaghilev angariou inimigos influentes, já que sua rebeldia feria diversas regras do estrito regulamento dos Teatros Imperiais. Em 1901, foi forçado a pedir demissão. A Mir Isskoustva deixou de ser publicada em 1904, e daí até 1908, Diaghilev foi responsável por diversas exibições de arte russa levadas a Paris, assinando contrato para, na temporada de 1909, levar à capital francesa uma companhia de balé.
Voltando à Rússia, encontrou um problema. Não foi permitido que levasse o Balé Imperial, com seu repertório, à França. Conseguiu, com dificuldades, permissão para que os bailarinos se apresentassem apenas no período de férias, no verão. O sucesso da temporada abriu uma nova era para o balé e deu início a 20 anos dos mais importantes da história da dança. Diaghilev seria o homem que, como empresário e administrador, ao lado de Fokine, o “pai do balé moderno”, possibilitaria a emergência deste como organização concreta.
Os ciúmes causados pelo sucesso da temporada em Paris criaram, contudo, dificuldades cada vez maiores para a cedência dos bailarinos. Diaghilev, sabendo que administrava uma entidade artística que deveria ser transformada em instituição permanente, deu impulso à nova concepção de balé que surgiu com aquela primeira série de espetáculos. Pouco a pouco, todos os membros do grupo foram pedindo demissão de seus cargos públicos nos Teatros Imperiais para se juntarem a Diaghilev em sua aventura.
O primeiro elenco dos Ballets Russes incluía os nomes de Ana Pavlova, Tamara Karsimova, Vera Karalli, Ida Rubinstein, Vaslav Nijinsky, Adolph Bolm e Mikhail Mordkin.
Para Diaghilev, um balé deveria ser resultado de um trabalho de equipe entre libretista, compositor, coreógrafo e cenógrafo, e cada um desses contribuiria para que o todo atingisse nível de uma obra de arte. O primeiro exemplo de balé em que esse tipo de colaboração atingiu o plano desejado foi O pássaro de fogo. Nele, Stravinsky, Fokine e Benois trabalharam de comum acordo na elaboração das partes componentes da obra.
O coreógrafo, o músico e o pintor tinham sempre servido à arte da dança, mas havia muito tempo as atividades desses não eram planejadas, e a força de cada um não produzia o amálgama que constitui uma obra de arte. Diaghilev tornou possível a perfeita fusão desses elementos e essa talvez tenha sido sua maior realização. A partir de 1911, Diaghilev começaria a incluir no seu repertório músicas compostas por Ravel e Debussy, e os pintores convocados para assinar seus cenários incluirão Picasso e Cocteau. Claro que não abandona os russos: em 1929, o último balé estrelado por sua companhia, foi O filho pródigo, com música de Prokofiev.
Os 20 anos decorridos entre a estréia em Paris, em 1909, e o último espetáculo apresentado em Londres, em 26 de julho de 1929, são lapidares na formação de tudo o que se faz hoje em dia em matéria de dança. Foi através do trabalho de Diaghilev e de seus Ballets Russes que se abriram portas até então inacessíveis ao balé. E essa forma de arte entrou numa estrada da qual não sairia jamais.
Uma das grandes especulações de autores especializados é saber onde estaria a dança se não tivessem existido os Ballets Russes de Diaghilev. Sem essa revolução, que invadiu o Ocidente, vinda do Império Russo, é possível que não se tivesse chegado até onde se chegou nos dias de hoje e que os cânones então vigentes tivessem retardado em muito o progresso do balé.
3. As companhias russas após Diaghilev
Diaghilev chegou a assinar um contrato para levar sua companhia a Moscou e Petrogrado. Mas o teatro em que iriam se apresentar foi destruído num incêndio e a visita foi cancelada, o que gerou muita especulação do que teria acontecido na Rússia se a companhia lá tivesse se apresentado.
O balé nos países da extinta União Soviética é, reconhecidamente, uma das artes mais populares, e dela os governos se aproveitam como um de seus grandes instrumentos de propaganda. No entanto, logo após a Revolução Bolchevista, pensou-se em fechar os teatros e acabar com o balé e a ópera, que seriam resultados de uma arte elitista e decadente. Felizmente, o comissário das artes Lunacharsky, com visão suficiente para entender que o ensino das artes não se relacionava com os czares e a nobreza, conseguiu que as escolas fossem reabertas e os cursos mantidos, continuando, assim, a produzir excelentes artistas. Os grandes balés clássicos se mantiveram e não desapareceram, como se havia sugerido.
Fechados durante muitos anos em seu país, os soviéticos não acompanharam a revolução artística de Diaghilev. Continuaram a produzir longos balés que só se diferenciavam dos da época de Petipa pelos temas, muitos com intento propagandístico, e pela introdução, na coreografia, de passos até então considerados acrobáticos, como os diversos levantamentos em que o bailarino sustenta sua partner acima da cabeça. Hoje tais levantamentos foram incorporados ao vocabulário clássico e são usados, com freqüência, no mundo inteiro.
Ao estudarmos a criação soviética dos anos que se seguiram à Revolução até hoje, verificamos que os melhores balés se baseiam em lendas ou obras literárias, como Cinderela e Romeu e Julieta, ou em fatos históricos, como Spartacus e Ivã o Terrível. Não há dúvida de que as escolas soviéticas produzem, às centenas, excelentes bailarinos. Desde o início de suas apresentações no Ocidente, na década de 50, destacam-se pela técnica espetacular.
Em todas as Repúblicas que compuseram a URSS, a dança ocupa lugar de prestígio e continua a ser instrumento de propaganda da máquina comunista. Os bailarinos são absolutamente esplêndidos, com os da Escola de Kirov, de Leningrado, considerada a mais pura, e a do Balé Bolshoi, de Moscou, a mais espetacular.
Considerações finais
Em seus clássicos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx (2004) afirmara que a propriedade privada nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto somente é nosso se o temos, portanto, quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído, comido, bebido, trazido em nosso corpo, habitado por nós, etc. Parecia prever que até mesmo países que se integrariam ao sistema socialista, como a Rússia, rechaçariam uma arte brotada das escolas, constituída no cerne de sua cultura, classificando-a como elitista, individualista e burguesa, uma vez não circunscrita aos círculos do Partido e ideologicamente não marcada pelo viés operário. Como se a arte, exercida pelo povo, em si, não fosse aliada do trabalhador e, portanto, e ainda mais, por não se vincular a programas, revolucionária.
Destaca Marx que “o lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado, portanto, pelo simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido de ter” (2004, p.230). Mesmo a arte fora entendida por seus interpretantes – um deles, o Partido Comunista – como estranha, uma vez não entranhada e criada por seus membros, logo não propriedade de seus altos escalões. “A essa absoluta miséria tinha de ser reduzida à essência humana, para com isso trazer para fora de si sua riqueza interior” (MARX, 2004, p.230). Uma arte destacada de visão partidária jamais poderia ser interpretada como uma arte não engajada, e este falso entendimento, infelizmente, só provocou um desvelamento da “riqueza interior” do Partido: a violência e o totalitarismo.
Em outro escrito, Grundrisse, Marx lembrara que “a arte grega pressupõe a mitologia grega, i.e., a natureza e as próprias formas sociais já elaboradas pela imaginação popular de maneira inconscientemente artística” (2011, p.238). Ou seja, a arte russa, antes e após a Revolução de Outubro, sempre foi uma arte dos russos, uma arte que pressupõe a cultura russa, autônoma e criativa e que, para sobreviver, ou melhor, para tornar-se arte, sê-la efetivamente, só pôde, muitas vezes, em outros territórios, sem deixar, no entanto, de ainda ser uma arte russa e, frisemos novamente, arte dos russos – sejam eles aristocratas, burgueses ou trabalhadores. Eis aí: Malevitch, Kandinsky e Baryshnikov que nos provam isso à perfeição.
REFERÊNCIAS
BOURCIER, Paul. História da dança no Ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MARCUSE, Herbert. A dimensão estética. São Paulo: Martins Fontes; Lisboa: Edições 70, 1977.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos (2004). In: DUARTE, Rodrigo. O belo autônomo: textos clássicos de estética. Belo Horizonte: Autêntica: 2015.
_______. Grundrisse (2011). In: DUARTE, Rodrigo. O belo autônomo: textos clássicos de estética. Belo Horizonte: Autêntica: 2015.
[1] Jornalista (MTb 15.241), Sociólogo (MTb 1.127) e Filósofo. Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (UCS), Bacharel em Ciências Sociais (UFRGS), Bacharel em Filosofia (UCS/UFRGS) e Mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS). Co-editor dos blogs Folha das Artes e Mondo della Arte, especializados em crítica de arte e pesquisa em (est)ética. E-mail: guilhermereolon@terra.com.br.
MIGALHAS AFORÍSTICAS SOBRE “FILOSOFIA” DA ARCHÈ
Vera Marta Reolon – aquilo que sou, ÚNICA!
- ÉTICA: (do grego ethike = moral) ramo da filosofia que aborda os fundamentos da moral, conjunto de regras que orientam a conduta em uma atividade profissional.
- ÉTICO: (do grego ethikos) relativo ou pertencente à ética.
- ESTÉTICA: (do grego aisthetike) estudo filosófico do belo e das obras de arte. Conjunto dos princípios fundamentais de uma expressão artística em conformidade com determinado ideal de beleza. Harmonia, beleza. Beleza física, plástica.
- ARTE: (latim ars, artis) conjunto de regras para bem realizar alguma coisa. Habilidade, talento, perícia para uma atividade. Caráter, produção, expressão ou concepção do que é belo. Objeto criado dentro desta concepção. Conjunto de obras artísticas.
- έθος,ους : uso, costume, hábito.
- εθιμο: costume, hábito.
- εστία: lar, lareira, chaminé, fogo, casa, sede, foco.
- αισθητικτι: estética.
- αρχή: princípio, começo, início, elementar, rudimento, primórdio, origem, autoridade, poder.
- ηθικτι: ética, moral, moralidade.
- Ethos: lugar da casa, nos lares gregos, onde, os membros da família que ali residia, montavam um “altar” com objetos de seus antepassados, para “venerá-los”. Quando um “problema” de difícil solução se interpusesse aos seus membros, giravam ao redor deste altar, até que a “solução” ao problema se apresentasse. Esta deveria ser uma solução que honrasse a TODOS que se foram, bem como aos que ali estavam e a TODOS que viriam. Isto, para o mundo grego seria a origem do SENTIMENTO ético. O AGIR ÉTICO. O SER ÉTICO.
“Apenas” isso? - Não, o agir ético, JAMAIS seria desacompanhado de um agir estético, seria a ARCHÈ. ÉTICA + ESTÉTICA. O FAZER COM HONRA E ARTE. A ARTE INSERIDA EM UM AGIR HONRADO. O AGIR HONRADO, COM O USO DE SEUS TALENTOS, DONS, LOGO O AGIR ARTÍSTICO , INSERIDO EM UM FAZER ESTÉTICO, BELO. BELO DE BOM, DE IDEAL, BELO EM TODO SEU ESPLENDOR.
Não a MÁSCARA de beleza. Mas o agir BELO, dentro e fora do ser.
[if !supportLists]· [endif]A ARTE é o começo, é a origem do belo e do bom. A ARTE, o dom, o talento, está antes do agir. Porquê? Porque a arte já está no sujeito (ops, o que é um sujeito??). A ÉTICA o move em TODO SEU agir.
[if !supportLists]· [endif]Obras de arte são meras coisas? – Danto.
[if !supportLists]· [endif]O quÊ SERÁ arte?.
[if !supportLists]· [endif]OBJETOS, coisas, arte, sujeito, subjetividade, expressão artística, EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA.
[if !supportLists]· [endif]Experiência Estética: COERÊNCIA E COMPLETUDE, que se completa, encerra(?) um ciclo, não acaba, é experiência CONSUMATÓRIA.Unidade e coerência, serve para organizarmos outras experiências, para refinar a percepção, a capacidade de percepção e a empatia INTERIORMENTE (ops, então é também do sujeito, SUBJETIVA, de CADA UM, NÃO É COMPARTILHADA! – interessante!!!!!).
[if !supportLists]· [endif]A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA, para DEWEY, é PRAGMATISTA E FENOMENOLOGICAMENTE ABRANGENTE. Mas, ainda assim, INDIVIDUAL, DOS SENTIMENTOS DE CADA UM, DA PERCEPÇÃO DE CADA UM, NÃO COMPARTILHADA, ÚNICA, unique.
[if !supportLists]· [endif]Para Dewey, ARTE, é uma experiência estética consumada (ops, o quê é isto???), pragmático, o que faz com o objeto na EXPERIÊNCIA (ops, experiência é de CADA UM, a não ser que seja um trabalho científico de pesquisa, por exemplo de fármacos, em que se busca o remedinho novo para depressão de “dondocas”e “dondocos”, a EXPERIÊNCIA, é INDIVIDUAL, da subjetividade de cada micro sujeito, cada um, mesmo de um animalzinho, é ÚNICAMENTE dele!!!!!).
[if !supportLists]· [endif]Para Beardsley, TRANSFORMAÇÃO DOS SENTIDOS PARA REFINAÇÃO DO SELF (ops, conceito psicanalítico, isso aí, é do SER, apenas de UM , do ÙNICO, de uma SUBJETIVIDADE PARTICULAR! – SERÁ QUE SE PODE “ROUBAR” SUBJETIVIDADES???). Para Beardsley, instrumentaliza O INDIVÍDUO EM SUAS CAPACIDADES.
[if !supportLists]· [endif]PARA DANTO, estamos em um momento PÓS-HISTÓRICO (ops, o que seria HISTÓRIA??? – HISTÓRIA pode ser montada por qualquer um??, a HISTÓRIA DE ALGUÉM pode ser modificada??, para o bel-prazer de ladrões???, a história pode ser manipulada para que “tudo fique conforme o interesse de poderosos”??, UMA HISTÓRIA mesmo, pode ser manipulada alheia a quem a institui??, aliás, deve-se ainda diferenciar história de estória, ou usamos qualquer um, já que não há mais história, somente interesses de “grupos” institucionalizados, escravagistas, interessados em manter seus roubos, seu acumular de bens, forjados, em talentos alheios, em dons alheios, escravizando talentos para roubá-los e manter “status-quo” de MENTIRAS???). Seguimos DANTO, momento este, em que os FILÓSOFOS é que respondem, ou devem responder pela ESTÉTICA.
[if !supportLists]· [endif] Chegamos em um impasse, quem é FILÓSOFO??.
[if !supportLists]· [endif]O QUE É FILOSOFIA???.
[if !supportLists]· [endif]Filosofia: (do grego philosophia) atividade intelectual (ops, o que é isso?) que se propõe a refletir sobre os seres, às causas e os valores, considerados em seus valores mais gerais (valor???- ops.). Conjunto dos estudos e reflexões desta atividade. Sistema particular de um filósofo. Sabedoria (opa, o que será sabedoria???) proveniente da experiência (olha a palavra aí novamente!). Conjunto dos princípios que regem uma conduta.
[if !supportLists]· [endif]φιλοσοφία : filosofia. AMOR à SABEDORIA.
[if !supportLists]· [endif]SABEDORIA: Grande acúmulo de conhecimento (para os gregos EPISTEMOLOGIA – O FAZER, O AGIR SOBRE O OBJETO, SOBRE A REALIDADE), saber. Caráter do que É SÁBIO, razão, JUSTEZA. Ciência, saber universal, erudição. Conhecimento e ciência SEGUNDO A CONCEPÇÃO DOS ANTIGOS (EPISTEMOLOGIA!!). Prudência, moderação, temperança (também indignação com a INJUSTIÇA). Prática, experiência (olha aqui, novamente!).
[if !supportLists]· [endif]PLATÃO, filósofo antigo, que estabeleceu a busca do BEM, do ideal, do BOM, escreveu sobre Sócrates, UM MESTRE, seus diálogos em busca da sabedoria, não apenas com os outros, mas basicamente consigo mesmo, em busca de aprimorar-se em algo que chamamos, “DOIS EM UM”, A DIALÉTICA COMIGO MESMO. O REFINAR-SE, O APRIMORAR-SE, O BUSCAR O BEM EM SI, BUSCAR O IDEAL, BUSCAR ATINGIR UM IDEAL, mas mais do que tudo em si mesmo!.
Criador, escritor, PORQUE MAIS do que filósofo, um escritor, um grande escritor, estabeleceu diretrizes para uma DEMOCRACIA. PARA o ideal de bem, DE BOM, para a ÉTICA, para a JUSTIÇA.
Na República, escreve sobre o MITO DA CAVERNA, onde estariam preparados a governar as cidades, quem saísse da caverna, ONDE SE VIVE APENAS DAS SOMBRAS DA LUZ DO SOL A BRILHAR FORA DA CAVERNA, COMO uma METÁFORA de uma vida não vivida, de mentiras, de manipulações, de roubos, de não usar SEUS PRÓPRIOS TALENTOS, usar os dos outros, surrupirar, gastar o que não é seu, usurpar do que não lhe pertence, perseguir, enganar (tudo isso estaria nas SOMBRAS, dentro das cavernas, QUEM ESTÁ NA LUZ, VIVE A VERDADE, A JUSTIÇA, A CORREÇÃO, SEUS PRÓPRIOS TALENTOS. Então, estaria pronto a governar as cidades, quem conseguisse livrar-se das SOMBRAS, sair para a LUZ, PARA A VERDADE. Vivê-la em sua plenitude.
Também o escritor de outro famoso diálogo, O BANQUETE, em que aborda sobre o AMOR, em que diversos membros deste colóquio discorrem sobre o AMOR, a partir de suas próprias percepções. SÓCRATES o faz através das palavras de uma sacerdotisa DIOTIMA, em seu DOIS EM UM, buscando chegar a uma proposição do que seria o AMOR. Está discorrendo, quando irrompe Alcibíades, APAIXONADO POR Sócrates, aquele que, POR CIÚME, POR INVEJA, o entrega à prisão, à morte, aquele que, nas palavras de Sócrates não é bem educado, pois seu pai, um militar grego que ia a guerra, não pôde educá-lo, deixando a tarefa a um escravo, que então, deixou Alcibíades mal-educado, provavelmente prepotente, invejoso, um NÃO-SUJEITO (às palavras de Melanie Klein – in INVEJA E GRATIDÃO – bem como em texto de Aristóteles, Retórica, em que discorre sobre a INVEJA, além de texto de Jacques Lacan – Seminário As formações do Inconsciente – a menina e o falo – em que aborda , faz um estudo psicanalítico sobre a INVEJA e suas origens). Sócrates aí elucida a Alcibíades que o objeto de seu amor não é ele, Sócrates, mas Agatão. Mas, Alcibíades não entende assim, e persegue Sócrates, quiçá querendo a SABEDORIA DO MESTRE para si.
[if !supportLists]· [endif]Outro filósofo , em contraposição a Platão, o filósofo da idealidade, ARISTÓTELES, o FILÓSOFO DA EMPIRIA, DA EXPERIÊNCIA. Para “fugir” daquele “mundo” ideal, talvez distante demais, para mortais, Aristóteles propõe o partir da experiência pensar o agir humano. O conhecimento a partir da experiência.
Em Aristóteles, fantasma => produto da IMAGINAÇÃO. Só o que é essencial ao objeto, mas que parte do SUJEITO. O intelecto agente ilumina o fantasma e abstrai a espécie inteligível. Intelecto agente é ÚNICO, DO SER, NÃO COMPARTILHADO.
A espécie inteligível está na ALMA, não intelige com outras espécies, é ÚNICO DO/NO SER. A ESSÊNCIA É DO SER APENAS, DE MAIS NINGUÉM, NÃO É MANIPULÁVEL, É ÚNICA!!!!!!!!!!!!!!!!!.
[if !supportLists]· [endif]HEGEL; Em a FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO, traz a DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO, o senhor só é senhor pela existência do escravo, e este só é escravo porque há um senhor a comandá-lo.
Mas, somos HUMANOS LIVRES????. O QUE É LIBERDADE???. TEMOS BENS, ONDE APOMOS NOSSA ASSINATURA, ONDE VIVEMOS, O QUE TEMOS, O QUE SOMOS, QUEM SOMOS, QUE TALENTOS PORTAMOS, QUAL A NOSSA SINGULARIDADE, QUAL O NOSSO SINGULAR CONTACTO COM A NATUREZA, QUAL A LINGUAGEM QUE PORTAMOS, QUEM SOMOS, TEMOS CONSCIENTE, INCONSCIENTE (ops, o que seria isso???), SUBCONSCIENTE (quem falou disso aí??).
LIBERDADE???.
[if !supportLists]· [endif]FREUD, estabeleceu a PSICANÁLISE, primeira tópica, INCONSCIENTE, PRÉ-CONSCIENTE E CONSCIENTE. Segunda TÓPICA, id, ego e superego.
[if !supportLists]· [endif]LACAN, outro psicanalista, estuda Freud, entre outros, e vai dizer “o inconsciente está estruturado como uma linguagem”. Quê tipo de linguagem?. A linguagem , o registro simbólico de um Real que está desde sempre no sujeito, aliado, se neurótico, a um imaginário que se faz, a partir das percepções que são individuais de cada um, naturalmente, e se “mostram”, este Real, aliado ao Imaginário, novamente no NEURÓTICO, não sintomático neurótico, da psiquiatria, do DSM IV, mas na ESTRUTURA PSÍQUICA DO SUJEITO (porque neurótico!)no SIMBÓLICO, na linguagem, que, como tal, É ABSOLUTA E COMPLETAMENTE INDIVIDUAL, JAMAIS COPIÁVEL, APENAS DAQUELE SUJEITO QUE, naturalmente, possui aquele REAL, AQUELE IMAGINÁRIO. NENHUM OUTRO, nem mesmo cambiável a outros!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!.
[if !supportLists]· [endif]LIBERDADE: SARTRE, filósofo que viveu no século XX, estabeleceu bases do existencialismo e da liberdade, em seu texto mais famoso, O SER E O NADA, mas também em sua obra literária, como em OS CAMINHOS DA LIBERDADE, em que apresenta suas personagens e o uso da LIBERDADE. Uma liberdade QUALQUER??. Quiçá uma LIBERDADE VIGIADA???. Nada disso, uma LIBERDADE COM RESPONSABILIDADE (O existencialismo é um humanismo). Viver em LIBERDADE É SER RESPONSÁVEL POR SEUS ATOS!!!!. Ser LIVRE é ser RESPONSÁVEL. Agir livremente é agir na verdade que nos abarca, com a responsabilidade inerente a nossos atos.
[if !supportLists]· [endif]“um homem se pensa mais homem quando faz do outro um instrumento de sua vontade” – belíssima frase de SARTRE, na tendência à escravidão que, segundo Lacan, os humanos estão conduzindo a raça!!!!.
[if !supportLists]· [endif]E A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA NISSO AÍ?.
[if !supportLists]· [endif]Pode-se até viver um PÓS-HISTÓRICO. Pode-se mesmo estabelecer que arte, se alguém paga por ela, ou, como diz Dickie, em sua Teoria INSTITUCIONAL da arte, é ARTE apenas se está exposta em um museu, ou em um “Instituto”artístico. Pode-se, a partir disso, fazer uma arte de papelões, de embalagens usadas, de “pênis” cortado e exposto no corpo do tal, em um museu, que pagam para ver e “saborear” a dor e o horror. Pode-se copiar obras de famosos, já estabelecidas, para “ganhar uma grana” em cima, colocando um “ bigodinho” na Mona Lisa. Mas, e a RESPONSABILIDADE DESTA liberdade, HORRENDA??????.
[if !supportLists]· [endif]Aliás, o quê a psicanálise, que é quem trata disso, diz ser um SUJEITO????. Sujeito, só o é, porque , inicialmente foi amado por um OUTRO, hipoteticamente uma MÃE, mas não a mãezinha que usa o bebezinho para aparecer por todo lugar como uma mamãe zelosa, mas AQUELA que o AMOU, QUE O DESEJOU, não para si, mas para aquele mesmo, que DESEJOU QUE ELE FOSSE DELE, APENAS DELE. Só isso aí????. Claro que não, seria muito fácil. Ela o desejou, ainda , ELA, conseguiu, com SEU AMOR, já em ATO, não apenas na subjetividade DELA, fazer a separação no famoso ESTÁDIO DO ESPELHO (não é para ser um tratado de psicanálise!), mas também ela DESEJOU UM OUTRO, UM LUGAR DE SEU DESEJO, O CENTRO DE SEU AMOR DE COMPARTILHAMENTO, para criar o terceiro na relação e estabelecer LIMITE ao pequeno, LEI PRIMEIRA, LEI DO NOME DO PAI!. Isso é um SUJEITO, porque com DESEJO, SEPARAÇÃO, AMOR, E LEI. Lei essa que o fará, o ajudará a respeitar e, eventualmente, transgredir as leis do mundo (até porque para avançar é preciso criticar horrores constituídos!).
[if !supportLists]· [endif]SUBJETIVIDADE; è o que se atém apenas ao SER, ao SUJEITO. Não apenas ao sujeito humano, mas apenas à rara singularidade de qualquer ser vivo. È o que o diferencia, é o que diz quem ele é, diferente de tudo e de todos, é o que o distingue de todos . É A SUA ARTE.
[if !supportLists]· [endif]QUE TODOS POSSAMOS TER A NOSSA ARTE, COM ÉTICA, SEM ROUBAR A DO OUTRO, DE QUALQUER OUTRO, COM A RESPONSABILIDADE INERENTE AO QUE É NOSSO, MAS SEMPRE COM TODA A ÉTICA QUE PORTAMOS, SENÃO NÃO SOMOS VIVOS, PORQUE NÃO RESPEITAMOS NEM AQUILO QUE NOS CONSTITUIU, SEQUER QUE NOS CONSTITUI!!!!!.
[if !supportLists]· [endif]Ainda, Kant, aquele do imperativo categórico, que muitos entendem apenas como um fazer coletivo, mas que, como diz Hanna Arendt, Kant, antes do Imperativo, já portava a ÉTICA PRIMEIRA. Aí, fica fácil compreender até mesmo o imperativo. Este aí, escreveu a CRÍTICA DA FACULDADE DE JUÍZO, onde aborda a estética, as condições do juízo estético, na arte primordialmente, na relação da natureza na arte. A questão dos valores. Ligada a faculdade do sentimento de prazer e desprazer. O juízo pensando o universal no particular, mas COM ÉTICA, com ARTE. ESTÉTICA como sensação, INDIVIDUAL, de sentir, sentimento. ÙNICO, de CADA UM!!!!!. Aí, como diz Kant ARTE É LIBERDADE!.
Julho/2013.
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Vera Marta Reolon
MTb 16.069
A idéia é estabelecer um inter-texto entre a resenha de um livro MODA E ARTE NA REINVENÇÃO DO CORPO FEMININO DO SÉCULO XIX e o filme A ÉPOCA DA INOCÊNCIA, de Martin Scorcese.
A autora do texto, resultado de sua dissertação de Mestrado na Unicamp parte Maria Ximenes da indagação: quem mais influenciou a construção da estética da forma do corpo vestido?
A questão é ampla, quiçá ampla demais para as tentativas de resposta da autora. Mas sigamos. A moda inicia no Renascimento, com o advento da burguesia emergindo financeiramente, quando estes passam a copiar as roupas da nobreza. Fenômenos cíclicos que, para Bourdieu caracteriza a pretensão e a distinção “..a dialética da pretensão e da distinção, princípio da transformação permanente de gostos. Nesse jogo de recusas recusando outras recusas, de superações superando outras superações..”. Distinguindo o que se tornaria na marca maior da moda, a efemeridade.
O século XIX tornar-se-ia singular,pois, em função da Revolução Industrial, a moda dá um salto, passando do espaço artesanal, para o industrial, de teares automáticos e assim à criação de magazines. Outra característica marcante deste período é o uso da fotografia e das pranchas de moda, extrapolando o uso dos retratos familiares, partindo para o uso de modelos e vestimentas fotografados.
Os homens portavam roupas que lhes propiciavam a mobilidade, enquanto que, para a mulher era reservado o ambiente mais restrito, de pouca mobilidade, com espartilhos, armações para dar volume às saias, depois substituídas por menores, das “crinolinas” às anquinhas, cobrindo as nádegas, dando volume às mesmas, com o intuito de dar maior forma ao corpo feminino.
Para a autora esta época se distingue por dar forma ao corpo feminino, como o de uma ampulheta, o que a instigou a desenvolver tal estudo.
A Revolução Francesa também instigou as mulheres a participarem de movimentos sociais, levando-as às ruas em reivindicações, sem distinção de sexo.
As mulheres do século XIX prezam o decoro, a virtude da obediência e submissão, em contraposição à devassidão do século anterior, embora o XIX tenha sido conhecido como o século das infidelidades. Século também distinto pela chegada a Paris de Worth, primeiro grande costureiro da alta-costura parisiense, que monta sua “Maison”.
Na arte o corpo feminino estava em evidência, para realistas e impressionistas, contemplando as preferências da época, nos corpos femininos, as ancas e as nádegas, embora as mesmas ficassem completamente cobertas com as vestimentas, em detrimento dos colos, que ficavam mais a mostra, em generosos decotes. As saias insinuavam o que de “sexual” há, enquanto os corpetes mostravam o que de maternal se mostrava na mulher.
Com o advento da burguesia atingindo o poder, e com ganhos financeiros significativos, os ganhos dos homens no público apareciam, inclusive, em suas mulheres, nas roupas, adornos, enfim, tudo o que pudesse mostrar sua superioridade financeira (objetos?).
Os homens neste século apresentam-se vestidos de forma sóbria, exceto os dândis. A mulher reina para o homem e para que a sociedade veja o quanto de poder financeiro este homem dispõe. Para Berger “..a maneira como uma mulher aparece para um homem pode determinar como será tratada..”. O corpo feminino com vestes ou sem demonstra formas apreciadas pelos homens.
As roupas possuem uma segunda natureza, pertencente a um processo civilizatório => aqui pode estar uma resposta a indagação que a autora se faz na pesquisa, pois seu argumento principal foi revelar, segundo a mesma, o quanto o corpo feminino esteve esculpido pelo olhar masculino => a mulher, socialmente, vive em função desse olhar e da necessidade de mostrar-se como objeto deste olhar.
O corpo é um suporte para a arte, a roupa, um objeto de arte, agora não mais somente a nível artesanal, mas também industrial.
A marca deste século: mulher, sexualidade e corpo; homem, espírito e energia.
Neste século também as crianças já não são mais pequenos adultos nas vestimentas, inclusive com o uso de espartilhos, mas já portam vestimentas construídas e constituídas para si.
Às mulheres era reservado o uso de bastidores, tocar piano, cantar em apresentações, saraus, ser paciente com os pequenos, tudo que evidenciasse boas características para o casamento e a maternidade. A família representa não só patrimônio, mas capital simbólico. As mulheres, inclusive, deveriam, era interessante, que se mostrassem tolas, impotentes e belas, objetos de consumo.
Predominam nas vestimentas saias que cobrem completamente as mulheres, inicialmente rodadas, depois retas na frente e com saliência nas ancas, com leve cauda, cinturas bem marcadas, o corpo delineado.
A Europa e a América do Norte eram prósperas nesta época. As roupas deveriam mostrar isso.
O uso das “crinolinas” levavam as mulheres a fadiga, a melancolia era uma marca das mulheres, estampando isso em seus rostos, o porte de olheiras, incentivando-as e/ou criando-as.
Neste século Mrs. Bloomer busca propor roupas mais confortáveis para as mulheres, estas porém não as aceitam. Apenas mais tarde, com a participação feminina em práticas esportivas as calças de Bloomer fazem-se presentes, possibilitando a montaria, facilitando cavalgadas.
O corpo feminino desnudo não possui mais encantos do que o corpo vestido, as roupas transformam este corpo em um corpo idealizado. O nu na arte se relaciona com a sexualidade vivida.
Roupas, mulheres como objeto do homem, mas também modo libertador, revelando a mulher.
O filme A ÉPOCA DA INOCÊNCIA, se passa na Nova York de 1870, a, mais ou menos, 1910, logo um exemplo da pesquisa realizada na literatura.
O filme mostra a freqüência à ópera: homens de smoking, lapelas em flor, gravatas borboleta prata, branca, jóias, relógios de corrente. Carruagens, bailes anuais em salões imensos. Os espartilhos mantinham os corpos de todos os tamanhos acinturados e saias longas que descem quase retas, abrindo-se em godês e caudas no chão.
A arte estampa-se em todas as peças, Retorno da Primavera, de Bouguereau, como centro de comentários, o nu estampado e visível em ante-salas de salões.
A hipocrisia nas relações corre solta. Acata-se, sob “vistas grossas” traições masculinas, onde a mulher deveria aceitar calada tais confrontos, sem imitações, ao modelo masculino vigente.
Conversas privadas, em um social onde reina a tradição, não versam sobre sentimentos, mas sobre amenidades, numa continuação das relações sociais um tanto quanto superficiais.
No dia-a-dia, as gravatas borboletas dos smokings cedem lugar a lenços amarrados como gravatas. Uso de luvas, cartolas, chapéus, bengalas. Nova York é uma seqüência de Londres – desde o serviço do chá, às dezessete horas, até as convenções da tradição, em que o divórcio e a liberdade são vistos como não “familiares”.
BIBLIOGRAFIA
BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP; POA: ZOUK, 2008.
BERGER, John. Modos de Ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
XIMENES, Maria Alice. Moda e Arte na Reinvenção do Corpo Feminino do Século XIX. São Paulo: Estação das Letras e Cores Editora Ltda, 2009.
Guilherme Reolon de Oliveira
MTb 15.241
Pensar o século XIX é pensar a disseminação do que se convencionou chamar “moda”. Tal reflexão é possível pela leitura de “Moda e arte na reinvenção do corpo feminino do século XIX”, de Maria Alice Ximenes, e pela análise do filme “A época da inocência”, dirigido por Martin Scorcese. Fica claro, a partir das obras citadas, que a moda opera num tripé composto pelas facetas social, psicológica e estética. Neste sentido, a vestimenta pode oferecer pistas identificatórias e, portanto, diferenciadoras, de status social, ideologia daquele que a porta e ênfase no que aparenta – ou no que deseja aparentar (aqui o aparentar estando muito próximo, senão colado, à noção de ser). Ser mulher e ser homem é, no século XIX (pode-se dizer, culminando neste século, como ápice), vestir-se mulher e vestir-se homem.
O século XIX é considerado o século da infidelidade, porque o tempo livre da burguesia é tempo para idealizar o decoro, também negando-o, sob a sua forma contrária. A roupa, figurando como parte essencial do processo civilizatório, neste sentido, é vitrine de poder e riqueza, mas também de demonstração e exposição daquilo que se é e se quer ser. Assim, o sexo a que se pertence socialmente será imediatamente identificado à vestimenta que se possui. O homem é identificado pelo espírito e pela energia; a mulher, pela sexualidade e pelo seu corpo. O homem é público; a mulher, privado. Logo, o homem deve vestir tecidos e cortes que permitam o ir e vir. A mulher, entretanto, dependente do homem, e colocada numa posição entre o anjo e a criança, frágil e sem condições de ser (apenas completar, suplementar um ser), é condenada à vida ociosa e, sem mobilidade, pode vestir roupas que a prendam, transformando-se em objeto a ser apreciado e, assim, mostrado, exibido, como (mais um) falo do homem que ela acompanha. A personagem da Michele Pfeifer, num contrapeso a esta visão, é reconhecida como marginal à sociedade que a cerca, e isso fica claro pela sua afirmação, pela qual constata porque é “mal-vista” pelos demais: “Talvez eu tenha sido independente demais”.
As boas maneiras, no século XIX, devem ser exteriorizadas pela aparência: parecer é ser. A família, assim, não é apenas patrimônio, inclusive monetário, mas principalmente capital simbólico. Este capital, por sua vez, para a condição feminina, mantém características do ambiente privado, reproduzido, quando no público, nos camarotes de teatros: fechado, frívolo e – simbolicamente – burro e alienado. As boas maneiras, assim, se convertem em ações como bordar, tocar piano, cantar e ser paciente.
Qualquer manifestação de aproximação com o sexo oposto, ou seja, com o homem, deve ser feita, pela mulher, pelo vestuário. Ela, precisando ser tola, impotente e bela, deve assim exibir-se, por vezes aparentando estar doente, numa condição ainda mais frágil e dependente de cuidados. O corpo vestido, então, transmuta-se em paisagem visual, também estimulando as fantasias, no campo da sexualidade, sempre numa oscilação entre o insinuar e o recuar: armações que simulam ancas maiores; leques, xales, sombrinhas e chapéus para encobrir ou mostrar; e decotes, espartilhos e excesso de tecidos, drapeados e sobreposições para enfatizar características que são mais “apropriadas” ao “ser mulher”, tais como a possibilidade de procriar e amamentar. A roupa, assim, também é expressão de uma subjetividade, por vezes reprimida, sufocada, recalcada, que culminará na histeria trancafiada em manicômios, à época da criação da psicanálise por Sigmund Freud.
O corpo trancado, apertado e oculto (embora “desocultado”, uma vez moldado e desenhado pela modulação de silhueta), é próprio da mentalidade do Romantismo (com ápice entre os anos de 1830 e 1850), que prega a fuga da realidade humanística, e mais propenso à imaginação, menos ao espírito crítico do Iluminismo. Num contraponto, as crianças passam a vestir roupas com características singulares, mais práticas, dando lugar à noção (num sentido psicológico, social e econômico) do “infantil”. A mulher e o homem devem também sê-lo pelo que vestem: é a partir do século XIX que a sexualização acontece mais por estímulos e menos por idéias ou atos propriamente ditos – isso fica evidente no “caso” extraconjugal, nunca encarnado, entre a personagem já citada (de Michele Pfeifer) e o personagem de Daniel Dey-Lewis: ele acontece nas cartas, nos olhares, nos dizeres, no retirar das luvas. Há uma fetichização pelas roupas. A vestimenta deve se materializar como atrativo sexual, objeto mediador de desejo e corpo idealizado. O corpo – e a subjetividade – é produzido socialmente, inventado e reinventado em ciclos de exacerbação e contenção. A roupa, assim, e não a biologia, é o sexo de pertencimento: o século XIX, pela moda, explicita a condição humana de ser desnaturado, cuja natureza é a cultura.
REFERÊNCIAS
XIMENES, Maria Alice. Moda e arte na reinvenção do corpo feminino do século XIX. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.
A época da inocência. Filme dirigido por Martin Scorcese.
Guilherme Reolon de Oliveira
MTb 15.241
O que é uma roupa? Pergunta inocente, afinal vestimo-nos ou desnudamo-nos tão facilmente com um simples ato de colocar ou retirar uma ou mais peças de roupas. Segunda pele, sob a pele; máscara, fantasia; cobrir-se ou descobrir-se. Uma folha a cobrir a genitália, um casaco sem o qual não se pode frequentar determinado estabelecimento. A roupa poderia ser definida como “tecidos recortados e costurados”. Mas, como tal, se reduz à coisa. De acordo com a funcionalidade, talvez, poder-se-ia dizer que a roupa é um utensílio que serve para vestir. O vestir, entretanto, só acontece como ação se há uma roupa e, assim, há uma circularidade na conceituação.
Tecidos recortados e costurados, em si, não constituem uma roupa, pois outros utensílios são assim produzidos: toalhas de mesa e lençóis, por exemplo. Em um manequim, a roupa já é roupa? Em um desfile conceitual, a roupa já existe como acontecimento? Perguntar o que é a roupa é pensar a sua essência, ou, em outras palavras, seu originário, ou ainda, seu ser. Costuro tecidos, quaisquer tecidos, e o resultado é uma roupa? Costuro quaisquer tecidos, a partir de moldes pré-estabelecidos de camisa, por exemplo: eis uma camisa? E se houver uma escolha deliberada do tecido a ser utilizado? Uma camisa sem mangas e sem gola ainda é uma camisa? Essa suposta camisa, criada e exposta ao público, por meio de um desfile, ou em uma vitrine, já é roupa?
Yohji Yamamoto definiu a roupa feminina com uma pergunta: “Posso ajudar?”. E a roupa masculina com um convite: “Vem, vamos embora”. Essas “definições”, na forma de frases, contribuem para uma ontologia da roupa à medida que expandem a compreensão do ser da coisa. Ajudar e ir, verbos inscritos nas orações de Yamamoto, são ações: o criador-estilista-costureiro está na roupa que oferece ao cliente: ele está ora numa condição subserviente, ora numa relação de companheirismo. Yamamoto está não só no desenho e no desenvolvimento produtivo daquilo que cria, mas na relação que estabelece com aquele que o compra. Yamamoto é na roupa, como etiqueta, como assinatura e como estilo de criação (a prisão da qual tem a chave). Vestir a roupa de Yamamoto é vestir Yamamoto, o próprio, é quase sê-lo. Identificando-me com ele, integro-o à minha identidade.
Karl Marx, o pensador do capitalismo, crítico do fetichismo da mercadoria, considera a roupa uma abstração. Abstração de um trabalho, de uma mão-de-obra valorada, porém alienada. E se enreda no roteiro que ignora, atestando que é, ou melhor, está capitalista (e não só porque também “escraviza” uma serviçal). Ele só consegue ser Marx – o sujeito que pesquisa, que escreve, que freqüenta o Museu Britânico e que se torna mundialmente conhecido com a publicação de O Capital – se portador de um casaco. Esse casaco, no entanto, é modo de subsistência, quando objeto penhorável. Sem a penhora, Marx não pode pagar seu aluguel e sequer alimentar a si e a sua família. O casaco, em si, tem tanto valor, ou mais, que o trabalho do operário que o produz. Porém não só: Marx é aniquilado como pensador sem a pesquisa que, por sua vez, só é possível se Marx porta seu casaco. Marx, nesse sentido, está em seu casaco. Marx é o casaco: nele estão contidos seu passado e seu futuro.
Retornamos à pergunta inicial: o que é uma roupa? Depreendemos que uma roupa só o é a partir de seu uso. O ser da roupa é apreendido em sua realidade mesma a partir da conjugação de seus registros: real (de que é feito), simbólico (significados que lhe são atribuídos) e imaginário (forma e conteúdo transformados no tempo-espaço). Só no corpo, e em movimento, a roupa é: o uso e a conferência de identidade e de diferença é o que lhe conferem seu estatuto de verdade.
REFERÊNCIAS
- Documentário “A identidade de nós mesmos”, de Wim Wenders
- STALLYBRASS. O casaco de Marx.
Guilherme Reolon de Oliveira
Primeiro o homem inventou o mundo, deu nome aos deuses, inquietou-se com os astros, com os anjos e com a divindade. O Renascimento marcou o parto de uma outra cultura, que colocou o homem e suas inquietações – e não mais Deus – de volta ao centro do mundo (embora mesmo entre os gregos, não o homem, mas a polis é que estivera na centralidade de seus pensamentos). Pouco depois, o século 17 marca a vitória da razão e da ciência sobre a religião – movimento batizado de Iluminismo, que dará início à Filosofia Moderna (com Descartes, Espinosa, Locke e Kant) e com o barroco nas artes.
Françoise Dosse (2007), a partir da obra Les mots et les choses, de Michel Foucault, publicada no ápice do estruturalismo francês, em 1966 – mesmo ano de Écrits, de Jacques Lacan –, destaca que a primeira configuração do saber estudado pelo filósofo é a episteme que compreende a Renascença até o século 16, fundamentada no mesmo, na repetição e na representação do representado, e na qual a semelhança desempenha o papel fundador do saber na cultura ocidental.
Esta episteme vai balançar no século 16 a partir de uma ruptura que afetará o velho parentesco entre as palavras e as coisas, lugar a partir do qual o homem vai poder nascer para si mesmo, tornar-se objeto singular do saber. Essa mutação é simbolizada pela busca de Dom Quixote, que tenta ler o mundo para demonstrar a veracidade dos livros. Ele esbarra na não-concordância dos signos e do real, no perfeito desacordo em que sua utopia vai se consumar. (DOSSE, 2007, p.434-435)
O homem se descobre. Em busca de si (não ainda de sua subjetividade individual, o que só acontecerá com Freud, mas de uma singularidade que o caracterizaria como universal de homem, como espécie), ele se debruça sobre a diferença (em relação aos outros animais), para constituir uma identidade humana. A obra de Shakespeare, nesse sentido, é emblemática, porque traz à tona uma universalidade de sentimentos (amor, inveja, ânsia pelo poder, angústia), ainda que Bloom (2005) destaque que “não temos como saber em que acreditam Dom Quixote e Hamlet, pois tais personagens não compartilham das nossas limitações” (p.116). Jacques Lacan (1989), em sentido oposto, afirmara que a tragédia de Hamlet se distingue por ser a “tragédia do desejo”.
A peça de Hamlet é uma espécie de aparelho, de rede, de armadilha para pássaros na qual se articula o desejo do homem, precisamente nas coordenadas que Freud descobriu, Édipo e castração [...] A estrutura fundamental da eterna Saga que reencontramos desde a origem dos séculos é modificada por Shakespeare de modo a fazer emergir o desejo; o homem não é simplesmente possuído por ele, tem que encontrá-lo, encontrá-lo à sua custa no maior dos sofrimentos. (LACAN, 1989, p.31)
O homem e seu desejo, logo o homem e ele mesmo, começam a se encontrar nesta passagem entre os séculos 16 e 17, período em que emergem escritos de místicos, tais como João da Cruz e Teresa D’Ávila, que relatam a materialização da espiritualidade, ou melhor, uma corporificação, significada no êxtase. Segundo Quinet (2012), o que os místicos descrevem como êxtase, Lacan identifica-o com um gozo não-fálico, “enigmático”, “louco” e não-sexual propriamente dito.
Eis o gozo Outro. Trata-se de um gozo fora do significante, para o qual não há palavras, nem é possível dele ser efetuada uma doutrina, como notava o abade Rousselat, que considerava o que descreviam os místicos mais como uma efusão lírica do que uma sistematização lógica (QUINET, 2012, p.64).
Teresa D’Ávila é notável nesse sentido. Para ela, “falar é impossível, pois a alma não atina a formar palavras e, se atinasse, não teria poder para pronunciá-las”. Em Teresa D’Ávila, há uma corporificação do divino. Ele deixa de ser transcendente, imanentizando-se. Não há mediações para se chegar a Deus, ele está acessível, é corpóreo e material. Teresa nos dirige a palavra a partir de um encontro cujo lugar é a carne e cujos efeitos são, na oração, a quietude e o êxtase, isto é, re-pouso e saída de si. Esses efeitos são, para a doutora da Igreja, os mesmos de todo encontro amoroso no qual a “re-posição” de si no outro, fora de toda confusão e de toda sedução, é sentida como o próprio dom da vida.
Teresa vai contestar a mediação do saber até mesmo pelos livros. Segundo Dosse (1994), o capítulo XXII do Livro da Vida, é, sobre esse ponto central da teologia de Teresa, capital. É através da própria humanidade que o homem se encontra com Deus: “A história de Jesus confirma que o dom de Deus passa pela vida do corpo e não pela idéia que homem teria de Deus [...] Retirar esse apoio da encarnação significa deixar a fé cristã gravitar entre as mitologias”. (p.22-23).
Colocar Deus como transcendente, fora do corpo, é assimilá-lo como idéia de si, mera projeção e, assim, negação de toda alteridade. Para Dosse (1994), a negação da alteridade separa-nos da realidade. A confusão do Outro com a idéia ou a imagem de mim mesmo é cega, faz enganar-se e leva à idolatria.
O homem não é a idéia que tem de si próprio. E Deus também não é a representação que o homem faz dele. Na exaltação projetiva do que pensamos, não atingimos a verdade que procuramos. Só a apreendemos em relação aos efeitos de vida, repouso e alegria manifestados no corpo, quando é denunciado o orgulho de um pensamento que deseje possuir a verdade antes mesmo que ela se manifeste (DOSSE, 1994, p.20).
É por isso que a obra O êxtase de Santa Teresa (1645-52), de Gian Lorenza Bernini, alguns anos mais velho que Rembrant, Velásquez e van Dick, é tão emblemática. Teresa fecha os olhos, no êxtase, porque não se trata nem de ver, nem de compreender. Diz ela, em Meditação sobre os cantares: “não compreendo como isso ocorre, mas sinto grande prazer por não compreender” (MC, I, 1). Para Teresa, não compreender convida a esperar o que é procurado no dentro do desejo, o que ainda não está ausente e já está ali (DOSSE, 1994, p.39). Deus anima seu corpo, é a vida do seu corpo; ele habita nela como habita ela nele. A humanidade de Deus está no meio dos homens, neles, mas velada (MC, VI, 7).
O êxtase de Teresa, esculpido por Bernini, é descrito pela mística:
Vi em sua mão uma grande lança dourada... ele parecia enterrá-la em meu coração às vezes e perfurar minhas entranhas; quando a retirava, parecia... deixar-me em brasa, repleta do grande amor de Deus.
Em Quando a arte é genial, Andy Pankhurst e Lucinda Hawksley (2015) afirmam que as feições de santa Teresa exprimem, ao mesmo tempo, um último suspiro antes da morte e a respiração arfante durante o orgasmo, tendo em vista que a expressão facial remete à idéia metafísica de que o orgasmo é um “breve morrer”. Na escultura, repleta de movimento, segundo os autores, “raios dourados parecem conduzir Teresa até o céu, e a postura arqueada de seu corpo mostra que ela está ao mesmo tempo entregando sua alma e divinamente feliz pelo encontro com Jesus” (p.95).
Gombrich (2012) faz semelhante análise deste arrebatamento de Teresa em êxtase, relacionando a obra com o seu entorno:
Vemos santa Teresa sendo arrebatada para o céu numa nuvem, em direção a caudais de luz que jorram do alto na forma de raios dourados. Vemos o anjo que se aproxima docemente dela, e a santa desfalecida em êxtase. O grupo está disposto de modo que parece pairar sem apoio algum na suntuosa moldura oferecida pelo altar, e receber luz de uma janela invisível, no alto. (GOMBRICH, 2012, p. 438).
Se concordarmos com Bloom (2005), que os seres ficcionais surgidos nos últimos quatro séculos ou são cervantescos ou shakespearianos, ou, mais frequentemente, uma mescla de ambos, dado que representam exatamente o homem em sua descoberta de si, imediatamente nos reportamos ao que Lacan destacou nos colocar na via da “ex-sistência”: o gozo experimentado pelos místicos, a partir de um inconsciente obscuro, de um Real impossível de ser conhecido, só acessível por suas manifestações no Simbólico.
Referências
BLOOM, Harold. Onde encontrar a sabedoria? Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
DOSSE, Francçoise. História do estruturalismo. V.1: o campo do signo. Bauru: Edusc, 2007.
FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966.
GOMBRICH, E.H. A história da arte. 16 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012.
LACAN, Jacques. O seminário: livro 20: mais, ainda. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
_______. Hamlet. In: Shakespeare, Duras, Wedekind, Joyce. Lisboa: Assírio e Alvim, 1989.
PANKHURST, Andy; HAWKSLEY, Lucinda. Quando a arte é genial. São Paulo: Gustavo Geli, 2015.
QUINET, Antônio. Os outros em Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
VASSE, Denis. Leitura psicanalítica de Teresa D´Ávila. São Paulo: Loyola, 1994.
Segunda-feira, 30 de maio de 2016
A ARTE E O MUNDO DA VIDA
Vera Marta Reolon
No mundo grego, a archè, a busca pela origem das coisas, para uns a água, para outros o ar, o fogo, etc, se contrapunha com a technè, como arte. Os gregos não tinham o que chamamos tecnologia, nem como ferramenta, imaginemos o que diriam de nosso mundo onde, de ferramenta idealizada por analistas em desenvolvimento de programas e operadores de máquinas, usamos estas “ferramentas” como objetos, seres até. Nem mesmo tinham o que a Revolução Industrial desenvolveu, antes das tecnologias digitais, como protótipos, matrizes, para fabricação de um mesmo objeto em série – a industrialização, a fabricação.
Mas o mundo grego já vivia e definia os critérios para a política democrática que até os dias de hoje não conseguimos alcançar, nem em países desenvolvidos. Vivia também a estética como ideal artístico, do belo, mas vinculado ao bem, portanto à ética.
Ethos, lugar nas casas onde designavam um “altar” com objetos de seus antepassados e, em situação de busca de respostas familiares, pessoais, giravam ao redor deste altar, até que encontrassem uma resposta. Esta deveria honrar a todos que ali estavam representados e não só, mas a todos que viriam. Ethos origina o que chamamos de ética. Honra em todas nossas ações, a todos que vieram antes de nós e a todos que venham/virão depois. Kant depois vai teorizar o que chamou de Imperativo Categórico: “age de tal modo que o outro jamais seja meio, mas sempre fim”. Logo, Hanna Arendt dirá assim em A Condição Humana, tanto Sócrates em sua dialética consigo mesmo, seu dois em um, quanto Kant no Imperativo, ambos já tinham a ética antes!
O que isto quer dizer?
Diz de um mundo em que a estética não estava desvinculada da ética, desta ética, dos enunciados. A estética, a busca do belo, a arte, se entrelaçam à ética, à busca do bem – belo é bom, é bem!
Os gregos e os belos corpos, para atingir o bem, bem de si, para si, bem de bom, de belo, de saudável!
Os romanos meio que seguem esta tradição.
O tempo medieval e a arte, praticamente encerrada nos castelos, nas igrejas.
Chega o Renascimento e a arte dispara, em todos os campos, no claro-escuro, jogos de luz e sombra dos pintores, na escultura, na escrita. A arte, a estética, se desvincula da ética e segue caminho solo.
A arte - estética - fala-se da mesma coisa?
O que é arte?
Perguntas que seguem conosco até os dias de hoje e que tentamos teorizar, buscar respostas!
Neste ano de 2016, completam-se 400 anos de morte de Shakespeare, bem como de Cervantes. No dia 23 de abril – dia Internacional do Livro e do Direito Autoral – Miguel de Cervantes (1547-1616) e William Shakespeare (1564-1616) morreram no mesmo dia. Na verdade, Cervantes foi enterrado no dia 23, a morte se deu no dia anterior, em Madrid.
Shakespeare faleceu em sua cidade natal, Stratford-upon-Avon, no dia 23, segundo o calendário Juliano, então vigente na Inglaterra, com onze dias de diferença, em relação ao hoje universal padrão gregoriano (a data corrigida seria 03 de maio).
Ambos autores excepcionais, Shakespeare escreveu inúmeras peças, viveu perto da aristocracia inglesa, escrevia sobre ela, ironias, tragédias, romances. Aí temos, Romeu e Julieta, Hamlet, Ricardo III, Rei Lear, Macbeth.
Cervantes escreveu Dom Quixote - O Cavaleiro da Triste Figura. Lutou na guerra, voltou, foi preso, viajou pela Espanha e escreveu.
Nada desde então representa tanto o homo sapiens como os escritos destes dois grandes autores, exploradores de almas em suas histórias? Certamente!
Shakespeare encena a aristocracia e suas dores, tramóias, traições, amores, desamores.
Cervantes vive entre o ideal e a realidade que sempre irá confundir. Enfim, a realidade para ele não foi tão promissora. Miguel de Cervantes Saavedra tentou a vida como soldado. Foi ferido na Batalha de Leopanto e feito cativo em Argel. Nunca encontrou o reconhecimento que esperava da Espanha, mas dessa desilusão nasceu seu personagem imortal: Dom Quixote.
O crítico Miguel de Unamuno, conterâneo de Cervantes, chamou a obra Dom Quixote de ”Bíblia Espanhola”.
Harold Bloom, crítico americano chama Cervantes, ao lado de Shakespeare, o núcleo duro dos “escritores ocidentais centrais”, acrescentando que “ninguém desde então os igualou, nem Tolstoi, nem Goethe, Dickens, Proust ou Joyce [...] Dom Quixote é um espelho posto não diante da natureza, mas do leitor”.
Compreender o que Quixote significou para a literatura é mais fácil do que dar conta do que, após tudo isso, fica faltando dizer sobre seu milagre: por que o personagem concebido por um homem que dedicou a melhor parte de sua vida à espada e não à pena (e que, como o inglês com quem compartilhou a genialidade e o momento histórico, estava longe de ser um dos grandes eruditos de seu tempo) deixou para trás de forma tão decidida a província das letras onde nasceu e montou acampamento na imaginação coletiva da espécie. Como dar conta do engenho do engenhoso fidalgo?
Numa leitura superficial, Dom Quixote é só a narrativa das aventuras tragicômicas de um cinquentão remediado chamado Alonso Quijano, fidalgo de baixa extração. O juízo de Quijano, informa o narrador logo de saída, foi avariado pela leitura dos romances de cavalaria que tinham sido populares no fim da Idade Média, com seus heróis inverossímeis que dedicavam a vida a corrigir as injustiças do mundo – uma versão de época dos super-heróis contemporâneos.
Jorge Luis Borges, escritor argentino, do século XX, escreveu contos em releituras de Quixote. Escreveu também crítica sobre o texto de Cervantes – Magias Parciais do Quixote. Sua “crítica” é mais do que uma opinião sobre o texto, é uma obra de arte literária, que se utiliza do texto de Cervantes, para fazer arte: “a discussão de sua novidade me interessa menos que a sua possível verdade [..] o Quixote é realista, este realismo difere essencialmente do exercido no século XIX” (BORGES, 1974, p.667).
Dirá Borges que, para Cervantes, são antinomias o real e o poético – mundo imaginário poético versus mundo real prosaico.
O século XVII não era poético na Espanha da época. O sobrenatural se insinua de modo sutil, e por isso mesmo, mais eficaz.
“Cervantes amava o sobrenatural” diz Borges. Mas Borges também amava e com tal intensidade que cria o que literariamente chamaremos de realismo fantástico, com suas leituras de física quântica, de fantástico de uma realidade que fica mais deglutível, mais fácil de ser vivida do que a crueza de uma vida dura e triste.
“Cervantes se compraz em confundir o objetivo e o subjetivo, o mundo do leitor e o mundo dos livros” (p.667).
Borges sabe bem do que diz, pois dirigiu a Biblioteca Nacional da Argentina por 20 anos, mesmo cego. Muito cedo, nascido na Argentina, viajou com os pais para a Inglaterra, vivendo lá muitos anos, retorna à Argentina já escritor e tradutor, homem de cultura, cultura calcada no meio europeu.
Manguel, historiador e atual diretor da Biblioteca Nacional da Argentina, voltando ao país de nascimento (como Borges), leitor de livros na infância para o então já cego Borges, naturalizado francês e canadense, lembra do Borges assíduo leitor de obras, viajante pelo fantástico mundo da imaginação literária.
Os protagonistas do Quixote, na segunda parte da obra, são leitores do Quixote. Borges relaciona então, o texto do Quixote ao de Hamlet, o texto dentro do texto, a encenação da morte do pai dentro da peça, para lançar “culpa” – observar reação de Cláudio, matador do Hamlet pai. Também Borges diz e relaciona o texto no texto em As Mil e Uma Noites, em que Sherazade, adiando a morte com as histórias, engravida do rei e conta-lhe suas próprias histórias como fábulas e o rei, diz Borges, nem consegue aperceber-se disso.
As histórias dentro das histórias (estórias) circulares: tais inversões sugerem que se os caracteres de uma ficção podem ser leitores ou espectadores, nós, seus leitores ou espectadores podemos ser fictícios => Carlyle (1833) => a história universal é um infinito livro sagrado que todos os homens escrevem e lêem e tratam e entendem e nele também escrevem. Logo, todos escrevemos a história, dirá Borges - como leitores, como protagonistas, como espectadores, como críticos, como viventes.
Borges sabe bem disso, como o mestre das escritas labirínticas.
A literatura é utilizada não só como fonte de prazer, na leitura, mas também e sempre como meios de interpretação, de entendimento da vida, do homem.
A psicanálise dirá que Édipo e Hamlet são básicos para explicar o homem e suas conexões, marcas familiares.
Na pintura também vemos esse interstício, o “texto” dentro do “texto”.
Velásquez, por exemplo, pintor do século de ouro, com domínio de luz e sombra, da técnica, técnicas vinculadas ao que mais tarde se conhecerá como fotografia, num tempo em que ela ainda não existe, que só chegará no século XIX. A representação da ação dentro da ação. A contraposição entre o público e o privado (que o real jamais retrataria em pintura).
Velásquez, autor de As Meninas, não pinta uma representação, mas se serve da pintura para colocar em cena uma ação Se o analista como Velásquez em As Meninas, ele é aquele que, no ato de oferecer-se à representação, à projeção, ao especular, engendra um movimento no sujeito, o da pulsão que gira em torno do seu objeto, aqui o olhar, percorrendo o ciclo do olhar: ver, ser visto, se fazer ver. O analista é o lugar-tenente desse olhar em que se engancha a pulsão, uma pulsão já lá na história do sujeito, que existe desde a infância, e à qual o analista só faz dar corpo novamente. O analista ocupa esse lugar porque, como o de Velásquez, seu olhar é um olhar que cai. (PORGE, 2006, p.281).
O uso de espelhos para trazer a ideia da luz, claridade, em contraposição ao escuro, à sombra, outro pintor já o havia utilizado, Jan Van Eick, em sua tela Os Esposais dos Arnolfini, de 1434.
Manguel dirá também que Caravaggio, outro pintor do século XVII, de ouro, dá uma reação física forte, em suas telas com luminosidade, cor, representação – telas como teatro dramático – a violência representada.
Pinturas intensas como as danças sevilhanas, a música e a dança Flamenca, esta outra arte tão esquecida.
Força, intensidade, cor, jogos de luz e sombra, aparecer-desaparecer. A intensidade na arte. A vida representada (ou não). A vida vivida.
Voltando ao princípio, como os labirintos de Borges.
Vida como Estética, como Arte – VIDA COM ÉTICA – a VIDA VERDADEIRA!
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
BLOOM, Harold. Onde encontrar a sabedoria? Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
_______. O cânone ocidental. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
BORGES, Jorge Luis. Magias parciales del Quijote. In: Obras completas. Buenos Aires: Emece Editores, 1974.
_______. O fazedor. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
_______. A psicopatologia da vida cotidiana. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2012.
PORGE, Erik. Jacques Lacan, um psicanalista: percurso de um ensino. Brasília: UnB, 2006.
RODRIGUES, Sérgio. Entre o ideal e a realidade. In: Especial 400 anos – Os inventores do mundo, Cervantes e Shakespeare, Veja, 27 abr 2016, p.84-98.
Primeiro quero me posicionar sobre algo que tenho percebido nos espetáculos que tenho assistido:
- Talvez a falta de dinheiro realmente complique o andamento dos "trabalhos", mas.........
Não mais podemos ter cinema, quando é cinema, teatro quando é teatro, dança, quando é dança???????
Por quê sempre temos, nos dias de hoje, os atores, nenhum, ou praticamente nenhum cenário, e um "operador" de computadores a projetar telas??????
Embora se saiba que.....em falta de dinheiro.......cenário é caro.........encher o palco com muuuuuuitos bailarinos ....além de custar......também tem o problema das "briguinhas" e tais........aí fica mais "fácil" projetar umas coisinhas!!!!!!!!!!!
Segundo, talvez eu tenha sido a primeira a falar e escrever sobre Ciência e Fé (no sentido de espiritualidade)...............logo, quando vejo falarem de Walter Benjamin, sem contextualizar..............
Kierkegaard diz em seu texto, como Climacus, de um sujeito HISTÓRICO..........para quem o entende.........fala de Benjamin.............
Kandinsky em seus cursos na Bauhaus............falava de "espiritualidade".................quem "USA" SUAS TELAS de forma tão atroz ................NADA ENTENDERÁ JAMAIS DO QUE ELE DIZIA........!!!!!!!!
e...........POR FAVOR..............quando o povo VOTA EM PRESIDENTE E VICE............creio que em TODO regime DEMOCRÁTICO...................NÃO vota somente em presidente..............MAS TAMBÉM NO VICE...............
é por esta razão............que se dão "conchavos" tão inverossímeis..................para mentes normais!!!!!!!
VERA MARTA REOLON
MTb 16.069
Guilherme Reolon de Oliveira - MTb 15.241
Radicado em Porto Alegre e acompanhando os acontecimentos da cidade ora por jornal, ora pelo programa Rede de Olhares, da UCSTV, transmitido nacionalmente pelo canal Futura, vibro quando algo de nossa identidade é evocado, porque assim lembrado e valorizado. Ao mesmo tempo, consterno-me quando leio alguma decisão abrupta – quando não arbitrária – acerca de nossos “totens”: ao derrubar bens imóveis como dominós, ao rir do “talian” (agora língua oficial), por exemplo. Até mesmo diante da notícia veiculada nos primeiros dias de 2016: a Cia Municipal de Dança sem direção artística. Como pesquisador de filosofia da dança e crítico, e sabendo do pioneirismo da cidade na área, não pude deixar de indignar-me com o fato.
Mas as surpresas maiores, ainda, são quando decisões de poucos indivíduos afetam, com tamanho peso inversamente proporcional, nossa Festa. Como integrante de um grupo que grafou as biografias das rainhas das edições de 1933 a 2010, e que por problemas operacionais não puderam chegar à publicação, pude saber mais de nossa história: a memória é fundamental para o hoje não desmoronar e o futuro poder ser trilhado. E algumas perguntas vão surgindo... Como a distribuição de uvas deixa de ser um dos cernes do corso alegórico? Simplesmente porque carretas e caminhões não podem circular na área do desfile? Isso não foi pensado antes – ou o foi propositalmente? Mas e a valorização do fruto que dá nome à Festa, e do agricultor que a produz? O corso, transferido sem uma consulta à população, se resumirá ao cênico, quem sabe a um Carnaval à la Caxias? E quanto ao espaço para a degustação da uva, motivo maior da Festa: até quando será relegado a último plano, num espaço sem cadeiras e mesas, com distribuição extremamente restrita do fruto?
Embora a festa seja destinada à divulgação, ao turista, de nossas riquezas, nosso patrimônio material e imaterial, nossa cultura, nosso saber e fazer, antes ela é um evento comemorativo, festivo mesmo, e portanto, do caxiense. A festa é da comunidade e para a comunidade.
E, assim sendo, não podemos esquecer o legado maior do imigrante que começou tudo: ser protagonista de sua história. Se a festa faz parte de nossa identidade (não o igual, mas o singular, o que dá diferença a um ser, uma comunidade,..), este legado deve ser lembrado em cada ato, em cada frase pronunciada. Muitos parecem esquecê-lo. Parece que a população foi distanciada, até mesmo isolada, desse papel de protagonista, quando deixou, por exemplo, de eleger as soberanas de sua festa, por meio do voto popular. E agora, mais ainda, tendo de pagar, e caro (em tempos de recessão e desemprego, 30 reais é muito), quando os membros do desfile são voluntários, para assistir ao rememorar de sua história, o corso.
Cabe a todo e qualquer caxiense resgatar o imigrante que há dentro de si: fazer história, não esquecê-la, e comemorá-la. Como proceder? #eusouFestadaUva?????
Sabe-se que CULTURA é tudo o que define um povo, uma pessoa, um grupo.....mesmo uma ação de alguém ....um alimento, o jeito de preparar.....uma forma de vestir, ...enfim ....algo que identifique.....
Logo, cultura não é "apenas" o que se convencionou como sujeito CULTO, o conhecimento que se faz ao estudar um tema, ao estar em uma academia (universidade, não academia de exercícios - aqui me refiro especificamente à "instituição" criada por PLATÃO)....
Cultura que temos visto, presenciado, sentido, observado,...., no social......tem sido o que se convencionou chamar nos anos 60, do século passado (não, eu ainda não tinha nascido!).......de CONTRA-CULTURA!!!
Impressionante que em nosso tempo pós-moderno, contemporâneo, líquido......, ou, no meu jargão.....VOLÁTIL (tudo se desmancha no ar!)..........vivamos exatamente o termo, culturalmente falando, de CONTRA tudo o que seja cultura.....
Desde Duchamp e seu urinol.......Andy Warhol e sua "cultura" POP......o que se vê é um "sem-sentido"......nada de non-sense.........porque aí é o grau zero.......SENTIDO PLENO.....sentido em potência........mas um SEM SENTIDO ALGUM..........
Usar/plagiar uma tela consagrada para adulterá-la e ganhar "algum em cima"......às custas do já estabelecido.............fingindo ser IN é o que mais vige nos dias de hoje.....
Benjamin (Walter) diria que estão a usar a aura da obra original para algo que aura NÃO TEM.....
Na dança então.........esta arte cada vez mais perdida.....mais esquecida.......
Que Isadora Duncan tenha se afastado, lá no começo do século passado, do balé clássico.........para buscar o plexo solar......usar mais o tronco e não só membros, ou quase só..........e criado o balé moderno.......lindo..........buscando a natureza..................
outros depois dela...................buscam aprimorar a busca desta "gênia" da dança................
mas...........agora............o que se vê hem???????????
há um desagregar.......com esta de dança-teatro..........performances.........happenings............e outros...............loucuras............a dança se perdeu..........vem perdendo aura de dança.;............
não há mais passos que seguem ritmos..........MÚSICA............
A MÚSICA NÃO EXISTE........ou é como se não fizesse parte............
então o que é?????????
sei lá..............e olhe que muitos "bailarinos" até fingem gostar da coisa...........mas se sabe que eles gostam cada vez menos..............
VERA MARTA REOLON
MTb 16.069
Véra Marta Reolon
JUN/2015
O cenário é uma ópera de Richard Wagner: DAS RHEINGOLD – em tradução livre, de alguém que sabe pouco de alemão, Sobre o Ouro do Reno. A ópera é transpassada pela música, absolutamente campal, forte, poderosa. Interessante usar a expressão forte... mas volto a isso depois!
A cena se inicia com as Nereidas, em número de três cantando seu cuidado e a determinação de seu pai, de que elas protegessem o ouro nas profundezas do oceano. Aparece um nibelungo que deseja desposar uma delas. Canta o amor a uma, que o renega. Depois à segunda, que repete o gesto da irmã. Por fim, a terceira também o rejeita. Ele, então, desprezado pelas três, rouba-lhes o ouro e o leva para seu mundo. Como maldição, as Nereidas rogam-lhe a maldição: quem fica com o ouro, é porque rejeitou ao amor e aos prazeres do amor.
Outra cena. O ambiente agora é montanhoso, hipoteticamente um “céu” rochoso, onde “vivem” os deuses, comandados por Wotam. Wotam está casado com Fricka, irmã de Freya. Wotam, por algum temor, que não fica claro, apenas que pode ter sido induzido por Mime, manda construir, cercar o “palácio”, as terras, com um fortificado. Este fortificado é realizado pelos gigantes, que cobram pelo serviço. A cobrança era sabida e combinada com Wotam, no contrato.
Como os gigantes tivessem concluído a obra, querem o pagamento. Wotam sabe disso e é questionado pela esposa do absurdo da construção, considerando-a desnecessária....afinal são deuses, imortais. Mas Wotam não tem o valor do pagamento. Os gigantes então, exigem que Wotam lhes entregue Freya, paixão de um dos dois gigantes.
A importância de Freya no reino imortal é que ela cuida das plantações, da árvore e dos frutos que dão a imortalidade e a juventude aos deuses. Entregando-a aos gigantes, não só perdem a irmã de Fricka, mas também a possibilidade da juventude e imortalidade. Que deuses seriam, então?
Como não há a possibilidade de quitar a dívida de outra forma, entregam Freya.
Se vão os gigantes com Freya e prometem devolvê-la apenas quando do pagamento da fortaleza.
Mime, como um demônio, a viver com os deuses, sabedor da história das Nereidas, convence Wotam a buscar o ouro com o Nibelungo, em princípio para devolvê-lo às Nereidas.
Wotam chega às profundezas do oceano e, em uma jogada de esperteza, consegue tomar o ouro do Nibelungo e levá-lo. Este, antes de que levem o ouro, amaldiçoa o que tiver o ouro e o anel de ouro, que morrerá por ele.
Paga, assim, o que deve aos gigantes, recupera Freya.
Um dos gigantes, dizendo ao irmão que, como aquele só queria mesmo Freya e nada mais, o mata para ficar com o ouro só para si.
Os deuses se encaminham ao cercado, agora com Freya.
Mime questiona Wotam, sobre a não devolução do mesmo aos oceanos e às Nereidas, logo o não restabelecimento do equilíbrio, o que Wotam nem dá atenção.
Ao final da peça, Wagner nos mostrar um Mime a arder, com roupas de um vermelho vivo, afogueado.
È interessante observar que tudo isso, a ópera, sua concepção se passa no século XIX, em plena vigência do que a Alemanha chamou de Bildung, uma busca pelo revisitar a Paidéia grega, com sua efervescência cultural, com a busca por um crescimento intelectual, cultural, estético, do mundo grego da antiguidade.
A Paidéia grega prezava a busca de um crescimento que extrapolava o intelectual, que extrapolava a arte. Era um mundo de crescimento exterior que jamais se desvincularia de um grande crescimento interior. O homem aqui era o que cultuava esse crescimento, o saber, a sabedoria, o fazer estético, jamais desvinculado da ética subjacente.
Note-se que a ética para o grego era aquilo que podemos explicar, além da moral, do costume, que o latim tentou traduzir e adaptar como sendo de mesma etnia. Ética era o lugar das casas, onde como um altar, com objetos sobre ele, que simbolizavam os antepassados, os familiares, em uma situação de crise que necessitava de uma decisão, giravam até encontrarem uma resposta que venerasse e honrasse a todos que aí estavam e aos que viriam além deles.
Logo, todo fazer, deveria estar impregnado de saber, de sabedoria, de verdade, de arte (fazer arte – agir esteticamente), mas SEMPRE como um ATO ÉTICO por excelência.
O homem grego utilizava deste preceito para lançar-se no que Foucault mais tarde retoma, nomeando de CUIDADO DE SI!.
O HOMEM GREGO, ENTÃO PARA SAIR DAS CAVERNAS e viver na cidade, deveria buscar esse cuidado de si, esse crescimento, essa preparação para “governar” as cidades. è aqui, centra-se o que, resumidamente os gregos nomeavam como PAIDÉIA!
Nietzsche, no século XIX, entre outros, na Alemanha pré-guerras, busca revisitar a idéia da Paidéia, para o tempo alemão, com o que chamaram de BILDUNGè um restabelecimento do agir, do fazer, do estar no mundo, da Paidéia grega para um novo tempo, para uma nova efervescência cultural, ético-estética, agora como centro o mundo alemão e seus pensadores, artistas...
Richard Wagner é um dos grandes expoentes deste tempo e busca a Bildung com galhardia na música. Nas óperas indiscutivelmente.
Nesta em particular, busco aqui uma interpretação peculiar, com vistas ao fechamento do semestre em Estética da Música.
O que vejo, em princípio, nesta transposição artística?
Wotam não precisava de uma fortificação para seus domínios. Os deuses são imortais, são deuses. Por quê o faz? O faz induzido por um manipulador? Mas, por quê se deixa seduzir por coisas das quais não precisa? Por quê não ouve sua mulher, em princípio, como ele mesmo diz, por quem “perdeu um olho” (sic) para tê-la (literalmente, pois está com um olho cego!). Ainda, faz um contrato com os gigantes, que sabe não poder pagar e corre o risco de perder a imortalidade, a juventude, própria dos deuses, logo perder assim, suas essências, como deuses que são.
O Nibelungo entrou no jogo do poder do ouro, mas sabia, e o fez depois de tentar o amor e seus prazeres com as Nereidas, logo sabia que negar o amor era uma conta que pagava para ter o ouro e o poder advindo dele. O equilíbrio perdido no ar, terra, água estava quebrado, com sua atitude.
Mime, em princípio queria restabelecer o equilíbrio. Há interesse nele de que isso se dê? Wagner, com o “queimar” de Mime, no final da peça, nos dirá que não!
Os gigantes, em princípio não queriam o dinheiro, o ouro, queriam Freya, um por amor, o outro, quiçá para obter a juventude e a imortalidade.
Chega-se, ao término da peça com a idéia que o PODER é absolutamente VAZIO de quaisquer significados, pois ninguém está satisfeito, tem prazer com o resultado de seus atos, da condução dos acontecimentos.
Lévi-Strauss compara o objeto mitológico a uma partitura de orquestra que se deve ler horizontal e verticalmente. “Música e mitologia se apresentam, aos olhos de Lévi-Strauss, como imagens inversas uma da outra, desde a invenção da fuga, cuja composição se reencontra na narrativa mítica. A música tomou o lugar do mito: ‘quando morre o mito, a música torna-se mítica da mesma forma que as obras de arte’” (DOSSE, 2007, p.341).
Será, e me pergunto sempre, que tais elocubrações não são as precursoras dos acontecimentos a que chegamos no Holocausto judeu, nas guerras mundiais, no entre guerras, no horror inclusive questionado por judeus, como Hanna Arendt em seu belíssimo Eichmann em Jerusalém?. E, quiçá, na fragmentação, inclusive acadêmica que vivemos hoje, em todos os campos do saber, que evidencia o quanto nos distanciamos das idéias da Paidéia, indo justamente na contramão de tudo aquilo que lemos e estudamos daquele período e de seus ensinamentos?.
Vemos que a VONTADE de Schopenhauer, revisitação que faço do DESEJO de Spinoza, além da própria interpretação psicanalítica dada por Lacan, do DESEJO que nos constitui, está longe da Vontade de Poder, no Zaratustra de Nietzsche (será que a “loucura” sifilítica de Nietzsche já tinha afetado seu pensamento? – não o posso dizer – só intuir!).
Vontade, Poder, Desejo é a própria Paidéia em ação, é todo o agir estético, logo, absoluta e completamente ÉTICO POR EXCELÊNCIA!. Qualquer coisa, qualquer agir, diferente deste não chega no ato Techné grego, que também seria estético, mas diferente da Arché, mais idealizado, mais em busca do BEM, do BOM, do IDEAL, portanto.
Em contraposição a tudo isso, ocorria a DER BLAUE REITER, a busca por uma ARTE SONORA, o ESPIRITUAL NA ARTE. Fazem parte deste grupo, na mesma Alemanha, Wassily Kandinsky, Franz Marc, Paul Klee, Arnold Schoenberg, entre outros.
Queriam estes, buscar uma arte espiritual, uma arte abrangente, que trouxesse a alma no agir, no fazer, nos resultados.
“... onde as formas são tornadas vazias, sem fundamento, ali também não existe arte” (AUGUST MACKE, in O Cavaleiro Azul, 2013, p.66)
Para Kandinsky a música estava na alma transposta no agir, na tela, no fazer, na sincronia das cores, no resultado, na concepção. Ele vai nos dizer e nos mostrar isso em suas telas, na nominação das mesmas como Composição, Improvisação...
Schoenberg em seu texto, na revista criada por eles, com textos criados, revisitados, revisados por eles, inicia, assim, seu texto, A RELAÇÃO COM O TEXTO:
“Há relativamente poucas pessoas capazes de compreender de modo puramente musical o que a música tem a dizer” (SCHOENBERG, 2013, p.69).
A música está para além das notas, está para além da composição, dos arranjos, por mais belos que possam ser. A música está para além de uma voz, harmoniosa ou não. A música está no agir musical. A música está no ato estético por excelência. A música, logo, está no agir ÉTICO por excelência. Está no mais distante do PODER pelo poder, no Poder que, diria Lacan, atem-se a PARANÓIA, no vazio do poder. A música está no DESEJO que é absolutamente pessoal, intransferível, no DESEJO que nos constitui como seres ÚNICOS que somos. A música está no agir Estético, desde a Paidéia, a VERDADEIRA MÚSICA ESTÁ NA ÉTICA SUBJACENTE A TODO NOSSO AGIR E SER!.......... só assim!!!!!
Referências Bibliográficas
ARENDT, Hanna. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. SP: Cia das Letras, 1999.
DOSSE, François. História do Estruturalismo. Bauru: Edusc, 2007.
KANDINSKY, Wassily; MARC, Franz (Org.). Almanaque O Cavaleiro Verde. SP:EDUSP, 2013
PLATÃO. A República. SP: Nova Cultural, 2000.
WAGNER, Richard. Das Rheingold. DVD, 1990/2008, Deutche Grammophon, gmbh, Hamburg
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